DIAS SEM ROTINA
Estou na praia de Torres, a princesinha do mar.
Vou permanecer, por 5 dias, sozinha em meu apartamento, entre a saída de uma filha e a chegada de outra. Um breve interlúdio para preencher como achar melhor.
Há um revesamento natural entre pais e filhos, entre os netos menores e os maiores, entre cães e gatos de estimação.
Na ampla sacada do apartamento, com duas redes estendidas, observo o movimento da rua, das pessoas passeando tranquilas, distantes do burburinho das cidades grandes
Quando desperto os pássaros já estão cantando, pendurados nos fios de eletricidade ou pulando nos galhos das árvores.
A brisa murmura, o sol chega iluminando o dia e despertando os dorminhocos de plantão, no tempo de férias de verão.
As árvores balançam sua folhas, enfeitando as áreas verdes, cujos jardins descobrem as flores coloridas. As gotas de orvalho acariciam o rosto dos transeuntes que saem cedo para buscar o jornal. E o pão quentinho para o desjejum.
Da janela da sala observo grandes construções. Parte delas são
ocupadas por famílias argentinas que descobriram a beleza de nossas praias e o câmbio favorável. Outras construtoras são da cidade de Caxias do Sul, entre outras, onde o poder aquisitivo é notório.
Preparo o meu café matinal, ligo a televisão no noticiário, observo a chegada do entregador do jornal dos assinantes, do entregador de gás.Vejo os jardineiros trabalhando no canteiro central da avenida.
Nesse momento os donos de cães passeiam com eles e lhe dão a devida atenção.
Completam a paisagem os andarilhos de terceira idade que portam seus abrigos e tênis adequados ao exercício. E os que preferem fazer uso de suas bicicletas para dar pequenas voltas de rua, enquanto praticam esse esporte.
Também é possível pedalar no calçadão com vista para o mar.
Sinto-me bem disposta a planejar as atividades de meu dia.
Como dona absoluta de meu tempo, vou me ajeitando para ir à praia, com calma, sem precisar esperar pelo uso do banheiro.
Em dias nublados escolho um livro e vou até a praça central,sento sob a figueira milenar, leio algumas páginas e converso com os idosos que se dirigem ao local ,em busca de ar fresco.
Na hora do almoço vou fazendo um rodízio entre os restaurantes, sem hora para retornar ao apartamento.
Aproveito essa salutar solidão para produzir meus textos.
Coloco um fundo musical dos anos 70,80,90,abro o computador.
A inspiração brota na solidão e fala comigo tudo aquilo que preciso saber para melhor dissertar sobre os temas escolhidos.
Escrevo crônicas ,contos, pensamentos, fábulas, mensagens, poemas, relatos do cotidiano.
Os temas viajam entre os grandes vultos da história. Falo sobre o mundo científico, o dos filósofos, o dos grandes beneméritos de um trabalho voluntário em periferias.
Cito os nomes da música nacional e internacional e suas biografias.
Escrevo sobre comportamento, sobre conflitos familiares e sobre os sentimentos mais profundos do ser humano.
Quando escrevo minha concentração é integral. Talvez a natureza me observe dividindo a cor verde de sua vegetação com os meus anseios verde-esperança.
Como amo o mar e sua pujança, costumo brincar comigo mesma, dizendo que sou irmã das verdes ondas do mar, porque meus verdes olhos combinam, em coloração, com o verde-olhar do mar.
Tenho uma certa empatia com o mar.
Minha filha mais velha, quando estava no momento de caminhar, olhou para a imensidão das águas, e a surpresa foi tão grande, que ela deu os primeiros passos, ao redor de 11 meses de vida, andando, cambaleante, mas determinada, em direção ao mar.
Ele parece me emprestar parte de sua energia ,como enérgica é a maré, ou parte de sua tranquilidade, quando tranquilas correm as águas, em forma de ondas.
Ao entardecer percorro alguns morros deslumbrantes da praia da Guarita, cartão postal da praia de Torres.
Do alto do morro, há um determinado ponto, na linha do horizonte, onde céu e mar parecem se encontrar.
Dou uma volta de ''dindinho'', um pequeno bonde turístico que faz a alegria da criançada, deixando vislumbrar a beleza da cidade.
É possível descer às margens do rio Mampituba e ver as famílias dos pescadores, tentando a pesca, para a sobrevivência, já que vivem do pescado.
Parte do que pescam vai ser vendido nas peixarias e parte vai para o consumo das famílias.
Há um barco de turismo que leva até uma reserva ambiental, a menor do Rio Grande do Sul, chamada Ilha dos Lobos.
Nas madrugadas me vejo revisando os textos, inserindo laudas, corrigindo a concordância, de tal modo, que só vou me deitar quando percebo que tudo está de acordo com o que eu queria transmitir.
O silêncio é precioso e minha inspiração flui como uma cascata de rimas. E as rimas roubam todo o meu ser. E se me perguntarem qual a fase da lua, brilhando no céu, nem saberei dizer.
Escrever é um exercício especial para compartilhar emoções, abraçar os anseios e desejos, compartilhar saudades, revelar sentimentos secretos e atenuar as dores da alma.
Quem escreve seus males prescreve. Porque se comunica consigo mesmo.
E só o silêncio absoluto fala ao coração.
E essa paz decorrente do fato de eu ser a minha única companhia, pelo período de 5 dias, é um presente nunca igualado.
Mesmo considerando o fato de que minha filha acaba de me presentear com a linha Victória Secrets, que adquiriu em sua ida à Argentina.
Assim como considero um presente de Deus o fato de ter me permitido construir uma linda família.
Porque, salvo melhor juízo, é para ela que quero voltar, sempre...
KATIA CHIAPPINI
DIAS SEM ROTINA
ResponderExcluir