Aquarela de poesias

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Poesias para você

terça-feira, 19 de novembro de 2013

UMA AMIGA DO REINO ANIMAL: LADY

                                   LADY

Lady foi o nome que demos a uma cadela de pelo preto, lustroso, suave ao toque e de doçura sem par.  Lady, pastor belga, era uma fêmea inteligente e carinhosa. Foi ensinada a permanecer na área de serviço, só com a cabeça na cozinha, onde podia ver Ana nas lides domésticas. Essa ficava trabalhando e conversando com Lady
Na parte da tarde era permitido receber a cadela na sala principal para uma salutar convivência. 
Ao ouvir a campainha, da porta de entrada, já latia até ver se a pessoa era conhecida da casa.
Meu filho, ainda pequeno, trouxe Lady no ônibus, sem nada me avisar, pois tinha decidido ter um cão em casa.
Os dias se sucediam e Lady, aos quatro meses, era um animal grande e muito bem desenvolvido.
Chamei meu filho e perguntei:
- Qual é a raça do cão, mesmo ?
- Vou falar a verdade: ''é um pastor belga''
A essa altura dos acontecimentos não havia nada a fazer.
 Já havíamos aplicado as vacinas, comprado as vitaminas que necessitou no primeiro ano, o cálcio e o vermífugo.
Uma senhora amiga me disse que se encantava ao ver o carinho do meu filho quando esse estava na praça da matriz com o animal.
Lady nos trouxe alguns problemas. Seus dentes afiados e fortes   procuravam os pés das cadeiras e mesas, sem contar com a mania que  tinha de pular sobre o sofá da sala e sobre as camas.
Lembro-me de que ao mudar de apartamento, precisei trocar o assoalho do quarto dos fundos onde ela costumava ficar, bem como uma poltrona que deixei ao seu alcance.
Certa ocasião comprei um frango assado para complementar nosso almoço de domingo e o coloquei sobre a mesa. Enquanto fui chamar a família e lavar minhas mãos, Lady, com seu olfato peculiar, descobriu o frango. Encontrei-a na área triturando os ossos, toda lambuzada e faceira. Ficamos com o arroz e feijão do dia a dia.
Noutra oportunidade levei-a comigo para acompanhar minha sogra até a casa dela. Quando faltava pouco para chegar, tentei desviar Lady para passear na praça. Ela não obedeceu ao comando e enquanto minha sogra não desapareceu no corredor do edifício, a cadela não se afastou do prédio. 
A dama negra cresceu imponente e cada vez mais bela. Recebi muitas propostas para que a vendesse e sempre dizia que não tinha preço pelo valor sentimental que a tornara amada por todos os membros da família.
Mas a vida se nos apresenta algumas surpresas e não podemos sequer interferir.
Muito contrariada e com pesar precisei convencer a meus três filhos da necessidade de me desfazer de Lady.Ela  ficaria no pátio de uma casa confortável fazendo companhia para uma viúva recente e que viu nela um cão de guarda, além de uma companhia para sua filha. 
O que me levou a tomar essa decisão foram dois fatos ocorridos num único dia. Ao entrar no elevador do prédio Lady estranhou a vestimenta de minha vizinha  e latiu de modo a assustá-la.
Então eu acariciei o rosto da senhora e falei:
- É minha amiga, Lady.
Antes que tudo voltasse ao normal percebi a palidez da vizinha e seu pavor no rosto.
Dirigi-me, logo a seguir, à praça da matriz, onde alguns rapazes praticavam esportes enquanto outros conversavam em turmas.
Passei com Lady e um senhor veio em minha direção, a passos largos, e quase me deu um encontrão. Lady se manifestou, de imediato, latiu para o homem, no intuito de me defender. O homem se dirigiu para um banco e sentou aflito e temeroso.
Como se não bastasse, os jovens da praça se colocaram a favor do homem e me xingaram por não saber cuidar do animal.
Meu constrangimento foi total e foi o sinal que faltava para agilizar o que tinha que ser feito.
Por esse motivo reuni meus filhos e expliquei toda a situação que teria um desdobramento imprevisível mas preocupante.
Por outro lado, tinha sido marcada uma reunião de condomínio, com chamada extra, para resolver se a cadela poderia ou não permanecer no prédio.
E nos surpreendemos, na manhã seguinte, com a visita do dono do imóvel que veio verificar, inclusive, as condições do mesmo e a higiene do local. Casualmente Lady tinha sido levada para tomar banho e só voltaria à tardinha.
Outro fato determinante foi a decisão que tomamos de morar com minha sogra, por um período, porque essa se encontrava adoentada e bem idosa, necessitando de cuidados especiais.
Assim, tudo providenciado, uma manhã levamos Lady ao seu novo lar. Meses depois descobri que a cadela tinha ficado uns 15 dias sem querer alimento e sentada perto do portão da casa, olhando para a rua. 
Fomos ver Lady um meio ano depois e o fato se repetiu.
Aprendi que quando se dá o animal não se deve visitá-lo porque aumentamos seu sofrimento. Ao reconhecer os antigos donos volta a tristeza.
Lady se recuperou e foi uma fiel companheira de Dona Marlene, sua nova dona. Alguns anos depois a cadela veio a falecer com problemas na coluna: uma displasia grave  que a impossibilitou de andar. No final da vida só se arrastava pela casa.
Conservo na lembrança a presença de Lady deitada em meus chinelos quando ela ali se instalava enquanto eu lia o jornal.
Lembro-me de que era preciso dar antes a sua comida colocada no prato perto de nossa sala de jantar, junto a área dos fundos, antes de nos reunirmos para as refeições. Só assim poderíamos garantir nosso próprio sossego. 
Meu filho realizou seu sonho de infância, há muito acalentado e foi um tempo feliz. Hoje, já adulto, fica com os olhos marejados ao se lembrar de Lady.
E seria um tempo igualmente feliz para os homens, se soubessem se espelhar na dedicação dos cães, sem limites, eivada de humildade e afeição.  E lembrando esse tempo tenho pensado que diria:
- Lady, minha dama, foi um prazer tê-la conhecido.
Isso se me fosse possível solicitar a ajuda de uma fada para dar a fala a Lady.
Ela me responderia:
- O prazer foi todo meu.

                                      KATIA CHIAPPINI
                                   e-mail:katia_fachinello42@hotmail.com

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