Aquarela de poesias

Aquarela de poesias
Poesias para você

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

TEMPO ANTIGO,TEMPO AMIGO

             TEMPO ANTIGO, TEMPO AMIGO

Nasci numa família bem estruturada onde o respeito era o referencial. Meus pais e tios paternos e maternos conservaram-se unidos pelo matrimônio até o último suspiro.
A geração mais jovem se separou e formou outra célula familiar.
Mas o que quero salientar é que as separações, mesmo as mais sofridas, eram resolvidas de modo civilizado. E sem requintes de crueldade, ameaças e desumanidade.
Os filhos deviam obediência a seus pais e havia um relacionamento baseado em princípios cristãos. Os professores eram acatados em sua autoridade e admirados em sua missão. Ao levanta da cama pela manhã, as pessoas desejavam um ''bom dia'', ao passarem umas pelas outras. E na hora da refeição não se falavam assuntos polêmicos que pudessem tirar o clima de tranquilidade da família.
E se agradecia a Deus pelo prato de comida. Os padrinhos de batismo eram como segundos pais. Havia o costume do afilhado beijar a mão que o padrinho estendia para ouvir: ''bênção padrinho.''
Ao entardecer, a frente das casas abrigava as famílias e vizinhança para a roda do chimarrão. As janelas das moradias permaneciam entreabertas durante todo o dia. E durante a noite, a chave da casa ficava escondida num cantinho para que o filho mais velho, ao voltar da rua, pudesse abrir a porta.
Pela manhã já se deixava a porta só encostada. Então se esperava o entregador de jornal, o do leite ,o da fruteira, o açougueiro. Todos iam entrando na casa e chamando pela patroa que vinha receber as mercadorias e efetuar o pagamento. E não lembro daquela correria nas ruas típica dos batedores de carteira. As empregadas se tornavam membros das famílias e as patroas as tratavam com toda a consideração, como se da família fossem. Havia um espírito aberto, diferente dos dias atuais. Talvez tradicional , conservador, o que para muitos é discutível e sujeito à ferrenhas críticas.
Mas o fato é que a hospitalidade e a generosidade das pessoas era a tônica dominante.
Não posso afirmar que tudo fosse perfeito. Mas só o fato de se poder passear nas praças, fazer longas caminhadas ao entardecer, ir às festas nos finais de semana sem a preocupação de retornar mais tarde, só isso já é um contraste com os tempos atuais, onde somos prisioneiros em nossos lares e nos privamos das saídas noturnas.
Havia um espírito solidário e as famílias se prontificavam, não raro, a ajudar umas às outras.
Os namorados frequentavam a casa da namorada nas quartas-feiras, à noite. Ficavam sentados na sala, se olhando,  enquanto a família transitava pelo ambiente por inúmeras vezes. As moças recebiam flores, perfumes, bombons, livros, cartões e cartas de amor. Essas eram perfumadas e guardadas com carinho em lindas caixas com fita mimosa.
As moças frequentavam os salões de baile, sempre bem iluminados, e a música ficava por conta de grandes orquestras ou conjuntos musicais. E não ouviam grosserias de seus pares quando se recusavam a dançar a segunda música. Ao contrário, os rapazes a conduziam até a mesa e agradeciam pela dança. Havia mesas e cadeiras no salão para acomodar os pais da moça.
Por ocasião das viagens, os familiares costumavam buscar seus parentes na estação rodoviária para auxiliar com a bagagem e  recebê-los com carinho, na volta.
Os pobres que dormiam nas calçadas não eram apedrejados e nem queimados.
Nas férias de julho eu costumava ir para a estância de meus tios onde eram estabelecidos horários que eram cumpridos à risca.
A tia Bebê contava com nossa ajuda para mexer os tachos de doces caseiros que eram muito apreciados e saborosíssimos. Cada um de nós deveria ficar por 15 minutos  e dava o lugar para o próximo ajudante. E até que a tia dissesse que já estavam prontos ficávamos ali cuidando para que não queimassem.
Quando o relógio batia 22 horas, deveríamos nos recolher aos quartos e não fazer mais barulho.Todas as luzes se apagavam porque havia um gerador próprio para garantir a iluminação e não luz elétrica. Nas estâncias se levanta cedo.  O trabalho do campo exige que se saia logo ao amanhecer para dar conta de todas as tarefas junto ao gado. 
Respeitávamos as orientações sem reclamar. No horário das refeições deveríamos estar ao redor da mesa. E, ao primeiro chamado levantar pela manhã, no horário estabelecido para a primeira refeição.
Meus tios me receberam na estância durante a infância, depois na adolescência e idade adulta. E ainda levei meus filhos para desfrutar das alegrias da vida do campo, soltos à cavalo, percorrendo toda a região e tendo por companhia os cães que os acompanhavam.
Éramos muitos primos, os peões, o capataz, o pessoal de trabalho da casa grande, a família. E tudo isso se mantinha em harmonia como se tivesse uma mão mágica no controle. Havia educação, realmente.
Ao entardecer, uma roda na frente da casa, reunia peões e patrões para a roda de chimarrão e para ouvir um toque de sanfona. Era a hora de lazer: a melhor do dia.
Algumas pessoas, já aposentadas, estão retornando aos hábitos mais simples da vida da serra ou do campo, Outras se deslocam para morar na praia, junto a outros aposentados que já tomaram a mesma iniciativa.
Querem resgatar a tranquilidade perdida nos grandes centros e viver com qualidade, sem agressão aos ouvidos que  traz a poluição sonora. Ou a poluição ambiental que acaba por prejudicar os pulmões das pessoas alérgicas.
E mesmo grandes executivos e pessoas bem sucedidas estão deletando a tecnologia e a modernidade e trocando-as pela paz de uma paisagem campeira. 
E esse tempo antigo que resgatei nesse texto é também o meu tempo. Muitas lembranças me trazem à mente, muita saudade ficou desses dias.
A música era bem feita e as letras continham verdadeiros lamentos de amor e de dor. Eram histórias com início, meio e fim convocando os mais puros sentimentos e emoções a se manifestar.
As serenatas feitas em baixo das janelas, para as amadas, eram motivo de admiração e dos comentários elogiosos. E a poesia e os romances eram lidos como se fossem um alimento ou fonte de preservação dos sonhos e quimeras.
E as mão delicadas das menina com seus bordados e bastidores, se prestavam ao toque de um piano, ao final do dia.
E a missa aos domingos e a missa do galo, essa última, rezada á meia noite, por ocasião das festas natalinas, reuniam toda a comunidade a rezar pelos seus antepassados e descendentes.
E as vovós acompanhavam a família e se ajeitavam bem vestidas e perfumadas para acompanhar todos os eventos sociais.
Hoje as pessoas mais velhas são esquecidas num canto da casa e os netos,sem respeito, trocam de canal quando o idoso está vendo seu programa preferido. E os velhos vão ficando tristes mas não se queixam porque querem estar em família nas festas de final de ano.
E os idosos disfarçam as lágrimas, tratam de se conformar para não antecipar a ida ao asilo, onde sabem que serão colocados.
Eu tenho em minha vida a companhia de algumas pessoas idosas que não deixo de visitar. Tenho meus velhos para confortar e tomar um chá. E nem me deixam passar muitos dias sem vê-los.
E não há modernidade que me faça considerá-los ultrapassados. São meus conselheiros ,comungo de suas experiências de vida e de sua sabedoria.
E o que esperar dos dias de hoje?
Onde encontrar os bons exemplos?
Em que direção estamos caminhando mesmo sem saber onde queremos chegar?
Quando quero descansar desse tumulto em que vivemos passo uns dias na estância de Livramento.
E quando quero adquirir minha paz lembo do tempo antigo, do meu tempo amigo.

                    KATIA CHIAPPINI / CASA DO POETA 
                    PORTO ALEGRE / R.G.DO SUL/BRASIL.


                                E-MAIL:KATIA_FACHINELLO42@HOTMAIL.COM



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