Aquarela de poesias

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Poesias para você

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

UM GESTO DE MAMÃE!

                    UM GESTO DE MAMÃE!
     

Hoje pensei em minha mãe, mais do que em outros dias. Cuidei dela por muitos anos ,com procedimentos especiais, por motivo de uma doença degenerativa, que a acometeu no final da vida.
Lembrei de um gesto seu, já na clínica geriátrica, quando não mais podia falar. Foi perdendo suas funções vitais, aos poucos. Um dia deixou de andar, noutro deixou de conversar, noutro deixou de conhecer sua família e penetrou nas sombras. E aquela figura não era mais ela. Era só um corpo que foi se entrevando, se retorcendo, e no final, restaram só os olhos abertos. Mas fixando um ponto qualquer: o nada.
Mesmo assim era penteada, maquiada, fazia as unhas, como sempre costumava fazer, pintava o cabelo e tomava seu banho diário com   ajuda das atendentes. Foi para uma clínica bem no final, quando se recusou a comer e a beber água, como se tivesse a passagem obstruída. Notei que o alimento custava a passar e que mamãe levava 1 hora e 30 minutos para acabar de comer uma pequena porção. E começou a cerrar os dentes porque não queria mais nada. E já não podíamos com o peso dela, que precisava ser arrastada da cama para a cadeira e para outra cadeira que havia no banheiro. Estava como uma boneca, sem os movimentos. E era perigoso lidar com ela. Se sofresse uma queda no banheiro, não teríamos força de erguê-la e sua cabeça pendia para um lado e não se equilibrava mais.
Na clínica foi muito bem cuidada e eu a visitava todos os dias com meu único irmão. Esse tratava de comprar os medicamentos, falar com os médicos. E passava em minha casa e me levava para ver mamãe. E tudo o que eu precisasse era só falar que ele,sem demora, providenciava. Um  bom amigo, o meu irmão, e incansável com mamãe, como tentei ser até o final. Mas como única filha mulher eu cuidava da higiene dela, dormia na casa e no hospital, quando foi preciso interná-la.
Notei que, no último ano, seus olhos ficavam úmidos quando me via chegar. Imaginem a tristeza que me acometeu ao ver que ela não podia dizer se estava com frio, com algum dor, com sede. E, ao mesmo tempo, ver que chorava ao me ver chegar. 
Até que um dia eu estava com sua mão entre as minhas quando o médico chegou no quarto, na clínica, para falar do estado de minha mãe. Enquanto ele falava sobre as escaras dela e dos cuidados que deveria ter, minha mãe apertou minha mão bem forte. Mas eu dei atenção ao médico porque precisava ouvir as orientações diárias. Senti a força daquele gesto de mamãe como se pedisse um carinho, um olhar, um beijo. Senti mas não olhei para ela.
Quando o médico saiu, olhei seu rosto e vi aquelas lágrimas brotando de novo: grossas lágrimas no rosto ainda lindo. Fiquei com remorso de não ter atendido, de imediato, ao seu gesto de desespero. E foi a única vez que apertou minha mão desse modo.
Então, fiquei com essa imagem em minha mente: ela volta muitas vezes.E peço perdão à mamãe por não ter atendido ao seu gesto, imediatamente. Foi um único gesto, ao final da vida. Nunca mais apertou minha mão, nunca mais senti seu gesto de carinho.Perdi aquela oportunidade de demonstrar meu afeto. Pela primeira vez na vida me senti má, insensível. E jamais havia me sentido assim.
Então, mamãe se foi, aos 90 anos de idade. Mas deixou seu gesto em minhas entranhas, sinto seu aperto de mão, sua última demonstração de força. Sua única tentativa de chamar minha atenção.
Dei mais atenção ao médico quando devia ter me voltado para ela e demonstrado meu carinho. Aquele era o momento de acariciar seu rosto e beijá-lo. 
Mas como tenho a consciência tranquila e fiz tudo que poderia ter feito durante os 6 anos e meio de sua doença, já me perdoei. Porque se eu não me perdoar não vou acreditar, nem admitir que ela tenha me perdoado. E seu coração de mãe extremada não iria me negar o perdão.
Quando me acordo faço minhas orações aos antepassados que já estão em outro plano, finalizo dizendo todos os dias:
-Perdoe, mamãe, sua desastrada filha que a ama de todo o coração.
E não deixe que essa nuvem obscureça sua paz, onde quer que esteja. Porque esse gesto de amor que eu não tive quando precisou dele, já tira a minha paz quando me lembro, como se fosse hoje, como se eu não pudesse apagá-lo, enquanto viver.
E ante que as lágrimas escorram em meu rosto, vou encerrar esse desabafo.
Não sem antes dizer:
-Não só amem suas mães como demonstrem esse amor com gestos de carinho, declarando a elas seu afeto, com palavras, beijos, muitos abraços e sinceridade.

                                  KATIA  CHIAPPINI 



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