Aquarela de poesias

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Poesias para você

sábado, 22 de julho de 2017

UM TOQUE DE PIANO

                    UM TOQUE DE PIANO

Tenho um prazer renovado em minha vida: lecionar piano, em especial, para a melhor idade.
Mas o que me surpreende é o fato de não sofrer nenhuma espécie de reclamação, quando, ao entardecer, me dedico ao teclado, por horas a fio, num relaxamento que tem algo de misterioso porque pareço sair desse plano para um espaço de infinitas possibilidades.
A música transporta para um mundo de secretos envolvimentos, se insere nas entranhas, causa arrepios, provoca secretas lembranças, faz rir, faz meditar, faz voltar ao passado e buscar as horas de intensa magia, vividas na juventude esperançosa e feliz, onde os arroubos são delineados para criar expectativas amorosas. 
Então, ao buscar a melhor posição para iniciar o toque, com a concentração necessária, já me envolve uma onda de bons fluidos que ultrapassam o espaço físico, se espalham pelos corredores, chegam aos apartamentos e percorrem, suavemente, todos os andares do prédio.
A reação vem de imediato. Ao encontrar as pessoas no elevador, no bar da frente, nas calçadas e arredores, passo a receber os elogiosos  e gratificantes comentários sobre as músicas executadas.
Algumas pessoas apagam a televisão para escutar o toque do piano; outras deitam no sofá da sala e apagam a luz para descansar ao som das melodias.
Se eu passar um dia sem tocar já encontro vizinhos que me perguntam se eu estava muito cansada, ou se tinha voltado muito tarde do trabalho.
As pessoas idosas me solicitam as valsas de salão de sua época e ficam me contando sobre os costumes de tempos idos, onde o romantismo era a tônica da juventude, onde as roupas portavam rendas e babados, num tempo em que as pessoas se reuniam na frente da casa para conversar.
Sempre tenho, onde quer que eu esteja morando, algum aluno de piano, morando no mesmo prédio.
Lecionei uma senhora já com 80 anos de idade, pois seu médico recomendara que fizesse aulas de piano para controlar a artrose e o reumatismo que lhe acometia, na ocasião, ao movimentar as mãos, para cumprir suas tarefas caseiras e normais do dia a dia.
Ela aprendeu a tocar valsas, minuetos, baladas e canções. E o marido dela ficava sentado ao lado do piano para elogiar a execução e estimular seus estudos.
Um dia, por baixo da porta, alguém passou um bilhete mas não assinou.  O bilhete dizia que eu não reparasse, mas que havia uma sugestão a fazer. E, ao ler, percebi que a pessoa solicitava que eu colocasse pedal baixo ao repetir, por muitas vezes, um trecho mais difícil de uma partitura.
Nessa época eu estava tirando a ''Sonata ao Luar'', uma peça bem longa, de Beethoven. E algumas passagens exigiam que fossem feitas  repetições.
Achei justa a sugestão e passei a observá-la.
Foi a única vez, durante longos anos, que precisei refletir e acatar uma reclamação, com carinho.
Fiquei agradecida porque depois disso não tive nenhum bilhete colocado por baixo da porta e nenhum outro tipo de reclamação.
Na verdade, existe o pedal para baixar o som e eu não o utilizava porque sempre respeitava os horários de silêncio.
E percebo, pelos fatos que me relatam, que a música tem o poder de modificar o estado de espírito e de acrescentar mais leveza as nossas vidas. Ela fortalece o espírito, socializa, encanta e faz sonhar.
Os momentos mais significativos da vida estão ligados à músicas especiais. E escolhidas com cuidado para abrilhantar as festividades.
E um piano ,tocado ao entardecer, se impõe como terapia natural para quem o executa e para quem o escuta.
Minha vizinha de porta me falou:
- Você não tem ideia do bem que nos faz ao nos brindar com suas lindas melodias, ao piano.
Mas o fato mais inusitado que presenciei foi o de perceber que um gatinho ficava do lado de fora, junto a minha porta, e começava a miar quando a música parava. Isso, percebi ao longo dos dias, das semanas...
Estando bem curiosa a respeito disso, eu resolvi perguntar para outra vizinha, próxima, se era dela o gatinho que parava em frente a minha porta.
Ela me explicou que o soltava porque, ao ouvir o som do piano, o bichinho arranhava a porta dando sinal de que queria sair. E realmente ia se posicionar junto a minha porta e ficava deitado. 
Fiquei muito admirada e resolvi perguntar: 
- Como é o nome de seu gatinho?
-Pois é, ela é uma gatinha. E seu nome é Nina Simone.
-Por acaso é uma homenagem......
E ela, afoita e sorridente, me interrompeu, rápida:
- Sim, é uma homenagem que eu quis fazer à grande pianista, cantora e compositora, norte-americana e considerada uma das mais conceituadas, entre as Divas do jazz.

KATIA CHIAPPINI

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