Aquarela de poesias

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Poesias para você

terça-feira, 28 de maio de 2013

MINHA MÃE E A NATUREZA

                     A PRAÇA DE TORRES
                                        E
                             MINHA MÃE

Minha mãe viveu sob meus cuidados e o de quatro dedicadas auxiliares que contratei para me ajudar, durante os últimos anos de sua vida. Terminou seus dias com a doença de Alzheimer que a debilitou, aos poucos, invadindo o cérebro e todas as funções de seu corpo.Mamãe gostava muito de estar na praia durante o período de verão. Houve época em que começou a manifestar uma mudança de personalidade, própria da doença. Durante as crises , costumava teimar para sair em dias de chuva, ou durante a noite, pois perdera a noção do tempo.E teimava em subir as escadas da casa porque queria ver se suas roupas não tinham sido reviradas ou roubadas.
Mesmo com o andar prejudicado pela fraqueza muscular, fazia questão que a levassem para sentar na frente da casa, de onde se avistava a avenida e o jardim com flores que ornamentavam a paisagem. Eu estava a ponto de perder as cuidadoras porque nas crises de mamãe elas ficavam temendo alguma agressão física, pelo  descontrole emocional que a acometia. 
Então tive uma ideia que parecia comum, mas que representou para mamãe um pouco de felicidade. Levei a bom termo a minha ideia e passei a levar mamãe, depois do almoço e de seu sono, para sentar na praça central da praia de Torres, onde veraneávamos.
Nos preparativos eu incluía cadeiras e almofadas, lanche, cafezinho, guardanapos de papel, toalhas e demais miudezas que nos permitissem ficar algumas horas fora de casa , de modo que nada  atrapalhasse o lazer de mamãe. Um táxi já ficava ciente da hora que deveria nos buscar e depois retornar à casa, pois além de tudo que precisávamos ter conosco, ainda havia necessidade de levar o andador e a bengala sem os quais mamãe não se locomovia.
Ficávamos à sombra da figueira milenar, onde armávamos as cadeiras. Quando víamos uma senhora idosa sentada sozinha em um banco da praça, a convidávamos para fazer companhia a minha mãe.
A cena era perfeita para trazer tranquilidade ao coração de mamãe, já acostumada a sofrer em silêncio, porque nunca dava o braço a torcer e não se queixava de nada em sua vida.
Então mamãe ria ao se deparar com os cães e gatos a povoarem a praça, com as crianças andando de bicicleta, com o andar despreocupado dos transeuntes em férias, com a menina que vendia pipoca, com os vendedores de churros, com os nordestinos que traziam redes artesanais, mantas e lindas toalhas de mesa e banho.
Ao entardecer começavam a chegar alguns músicos ,o pessoal da capoeira, alguns malabaristas e os bolivianos com suas flautas mágicas. Um violino soando chamava atenção de toda a platéia e a praça se tornava mais convidativa e cativante aos olhares de mamãe. Desde então mamãe parou com os gritos lancinantes, com os momentos de crise, com a inquietação do corpo que não parava de se mexer na cadeira Passou a se alimentar melhor e já nem brigava mais na hora de tomar banho.
Só a certeza de que a levaríamos à praça era suficiente para que seu cérebro desse um comando de bons fluídos. Não teria existido melhor terapia do que o contacto com a natureza para harmonizar o  espírito de mamãe, acometida da doença de Alzheimer.
Toda essa dinâmica fazia a felicidade de mamãe e a nossa, que convivíamos diretamente com ela. O seu sono passou a ser mais tranquilo e o nosso, meu e das cuidadoras, também se beneficiou.
Uma simples ideia tornou minha mãe mais feliz e foi uma das lembranças que me fez bem, e que me faz bem, quando dela me lembro, em minha orações diárias. Não podemos duvidar da força da natureza, da energia que captamos no universo e da certeza da existência de um Ser superior que tudo provê, seja qual for o Seu nome. Mas além disso há o fato da dedicação e do amor filial. Se não houvessem esses sentimentos, não seria possível atenuar o sofrimento de um familiar nosso. Sem esse empenho não seria viável tornar o melhor possível, a vida de uma pessoa debilitada e sem poder governar-se por ter se perdido de si mesma.
Depois de um dia de praça, eu abraçava e beijava mamãe e conseguia aprisionar, por breves segundos, um olhar seu, um pálido sorriso e uma expressão de tranquilidade. E eu colocava suas mãos entre as minhas e lhe dizia :
- Deixe comigo,mamãe
E vendo um brilho em seus olhos eu completava :
- Está nas mãos de sua filha fazê-la mais feliz.
E foi o que tentei fazer. E eu velava seu sono por um bom tempo, antes de me acomodar no colchão que colocava ao lado da cama dela. E aquela cena da praça teimava em permanecer em meus sonhos, durante a noite. Mas eu me acordava alegre e com aquela sensação de missão cumprida.
E, um dia, já no final de suas horas, mamãe apertou com força a minha mão, antes de dar seu último suspiro. 
E fiquei sem entender de onde tirou tanta força para aperta-la, e ao mesmo tempo, despertar em mim o sentimento de admiração. É que ela fez o possível e o impossível para dar o mínimo trabalho, sem nada exigir e sem de nada se queixar, mesmo nos momentos mais críticos de sua doença.

                                    KATIA CHIAPPINI
                     Email: katia_fachinllo42@hotmail.com




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