Aquarela de poesias

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Poesias para você

domingo, 26 de maio de 2013

O EXEMPLO DE UMA EDUCAÇÃO REFINADA

                        O COPO DE LEITE

 Um oriental de fino trato conheceu meu pai no Banco do Brasil.
As relações profissionais se tornaram pessoais.
O senhor Chang era o próspero dono de uma fábrica de óleo de cozinha, dos mais aceitos no mercado.Meu pai gerenciava a carteira de crédito do Banco do Brasil e tinha a seu cargo autorizar ou não pedidos de financiamento para grandes empresas.
Aos finais de semana, papai e o senhor  Chang costumavam beber uma cerveja e colocar algumas questões em dia.
Ele viera da China, como milhares de imigrantes, esperançosos com o fato de se estabelecer no Brasil.
Minha mãe houve por bem planejar um jantar para convidar o senhor Chang e sua família a nossa casa.
Mamãe se esmerou nos detalhes. Passou a toalha de linho, lavou a coberta de mesa, talheres, copos, cálices de vinho.Preparou as iguarias, molhos e temperos especiais .O odor característico da boa culinária exalou por toda a casa antecipando o sucesso do evento.
Ao final da tarde experimentou especial prazer em sentir o perfume das flores postas no vaso, no centro da mesa.
Ao ouvir a campainha nos dirigimos à porta de entrada para receber o senhor Chang e família. Dirigiram-se à sala de jantar e se acomodaram em seus lugares. O jantar obedeceu a um ritual.Cada manjar era servido com o prato e o talher correspondente. Seguiram-se novos pratos, novos talheres novos cálices durante sessenta minutos, sem que nada quebrasse o encanto da noite.
Sr Chang ficou encantado com as habilidades culinárias de mamãe.
Após o jantar, os convidados passaram para a sala e tiveram uma verdadeira aula sobre os costumes e usos do povo chinês.
Dois anos depois, mamãe recebeu uma linda mesa de centro esculpida nas laterais e em cima, com motivos de guerra. Uma verdadeira obra de arte entalhada em madeira, presente do senhor Chang. Ele ainda encomendou porcelanas e cerâmicas chinesas para minha mãe, como uma forma de agradecer o empenho de papai em manter seu financiamento em dia, sem nenhum problema.
Após nos reunirmos outras vezes, mamãe teve a ideia de preparar um jantar típico chinês e papai aprovou, de imediato, a iniciativa.
Minha mãe pesquisou em livros de culinária para apresentar o cardápio adequado aos costumes chineses, onde incluiu peixes, frutos do mar, camarões, finos condimentos e um bom vinho.
Como das outras vezes a confraternização teve pleno êxito, ou quase...
Justamente quando a inovação foi aplaudida, deixando agradavelmente surpresa a família de senhor Chang, nos deparamos com um acidente de percurso preparado pelo destino e não menos surpreendente. Aconteceu que o senhor  Chang pediu um copo de leite, momentos após ter deixado a sala de jantar.
Enquanto bebia o conteúdo do copo continuou conversando e sorrindo, como era seu hábito. Mas bebeu muito lentamente, com pequenos goles, entre uma e outra palavra, como se estivesse se adequando a alguma espécie de ritual.
Minha mãe observou seus movimentos enquanto ele se preocupava em entornar o copo. Num primeiro instante admirou a paciência do convidado, de tal modo que teve a sensação de ver o leite se recusando  a deixar o copo que o continha, como se tivesse vontade e personalidade próprias.
Ao término de mais uma reunião nos despedimos dos convidados e papai os conduziu até a porta. Em seguida dirigiu-se aos seus aposentos para descansar.
Minha mãe e eu retiramos toda a louça servida e a levamos para a pia da cozinha. Ao fazê-lo deixamos a mesa da sala de jantar já arrumada, com a toalha e o vaso de flores no centro. Sobre a pia da cozinha ainda estava o saco de leite com um resto do líquido.
 Mas , mamãe, entre curiosa e desconfiada, derramou esse último gole num copo e o provou. Definitivamente certa do que percebera disse com uma expressão de desagrado :
- Minha filha ! o leite está azedo!
- Minha mãe, não se preocupe, o senhor Chang continuou com a mesma fisionomia.
Eu e minha mãe não conseguimos conter as gargalhadas que quase tiraram nosso fôlego e , ao mesmo tempo, nos abraçamos, voltando a acreditar no sucesso da janta chinesa.Tomamos um copo d'água e voltamos ao normal. Comentei com mamãe que o ocorrido era um pequeno detalhe.  E que para o senhor Chang ,vindo de uma civilização evoluída, não seria esse fato, motivo suficiente para tirar o brilho do jantar chinês. Com seu comportamento exemplar e educação esmerada, ficou bem claro seu nível de sociabilidade e normas de boa convivência, de modo a não deixar transparecer, em nenhum momento, qualquer desconforto que viesse a ter.
E minha mãe que se esmerou em acatar os preceitos da boa culinária, não poderia esperar comportamento diferente, desse que presenciou.
Prevaleceu o fato de que ela se empenhou no preparo de deliciosas iguarias, onde os sabores e os odores celestiais, se alternavam para a apreciação e o deleite do senhor Chang e de sua família.
Mas, talvez no próximo evento em minha casa o senhor Chang, por precaução, não solicite um copo de leite. E, se minha mãe inventar de oferecer, ele simplesmente dirá com sua voz suave: 
- Não, obrigado, agradeço pela gentileza
E, se fosse em nossos dias, o senhor Chang também não aceitaria um copo de leite que poderia estar contaminado, adulterado e oferecendo riscos a toda a população.
E, infelizmente, os contraventores se deixam dominar pelo capital e a saúde da população é vista com desatenção e descaso, próprios de um sistema à margem da moralidade.

                                   
               KATIA CHIAPPINI: katia_fachinello42@hotmail.com


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