Aquarela de poesias

Aquarela de poesias
Poesias para você

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

O BAU

O BAU


 O BAÚ

Guardei no baú, quando adolescente, alguns objetos. E ali os esqueci.
Guardei uma moeda, uma pétala de rosa, cartas e mais cartas de amor, um diário e um lenço perfumado.
A moeda representava o primeiro lanche que o namorado me ofereceu , no bar da Faculdade, onde fez questão de arcar com a despesa.
A pétala de rosa representava o primeiro ramalhete de flores que dele recebi.
As cartas de amor foram escritas quando viajei para passar o carnaval com meus tios e primos do interior e deixei o namorado perplexo.
O diário me foi dado quando o namorado foi trabalhar em outro Estado e pediu que eu registrasse algum pensamento, ao pensar nele. Disse que queria ler todos eles, quando voltasse, em suas férias.
O lenço perfumado me foi alcançado para secar minhas lágrimas de emoção, o que ocorreu quando fomos assistir, meu namorado e eu, um filme romântico e envolvente.
Vivemos por longo tempo juntos e tivemos os filhos.
Na idade madura resolvemos tomar a decisão de nos separar, mas ficamos amigos e prometemos, um ao outro, que, em qualquer eventualidade, nos apoiaríamos para resolver juntos problemas de difícil solução.Alguns deles, relacionados com a educação dos filhos e com suas necessidades, no decorrer da vida.
Tempos depois, já com meus netos criados e bem direcionados na vida, resolvi procurar o baú.
Bem, a moeda me fez lembrar que me dediquei ao mesmo homem a vida toda e que ele não me pagou na mesma moeda.
A pétala de rosa amarelada e seca me fez lembrar que eu já não era aquela moça que um dia fora chamada de ''minha rosa''. E logo depois de casada o apelido passou a ser ''nega véia'' e eu ainda tinha que achar divino, pois era um modo carinhoso do homem do Sul se dirigir a sua ''patroa''.
As cartas de amor me lembraram que as primeiras eram românticas e longas. Mas as outras cartas não vieram tão lindas e foram perdendo o viço. E a própria comunicação se transformou adquirindo um caráter bem mais prático e objetivo, no dia a dia.
O diário, pouco a pouco, foi deixado de lado porque a inspiração foi se afastando e se tornando pálida. E as mensagens que eu antes escrevia não se sustentaram devido aos acontecimentos que tomaram outro rumo.
O lenço perfumado deixou de existir porque os lenços de papel vieram tomar o lugar dos belos lenços de linho, bordados com monograma em ponto cheio.
O baú já não me emocionava mais porque o que ele continha, já não tinha o mesmo sabor, nem o mesmo significado.
Tudo se transformara. Um círculo, sempre em movimento, acaba por modificar as circunstâncias de nossa vida .Amadurecemos e mudamos o pensamento e assimilamos de modo diferente nossas vivências e experiências.
O baú ficou sem graça, empoeirado, desgastado pela ação do tempo e descolorido.
A vida também adquiriu uma palidez natural, mas nunca desejada.
Havia necessidade de seguir, cada um o seu rumo, da melhor maneira que encontrasse.
Laços afetivos se fragilizaram e a linha do carretel da vida ficou enfraquecida.
Mas a saudade, um sentimento que não deixa morrer o melhor de nós, ficou lembrando os momentos de um grandioso amor, vividos em secretos lugares.
E mesmo que eu jogasse o baú no mar, não jogaria as emoções que ele guardou. Pois, um dia, esses instantes de felicidade nos quais cada objeto guardado tratou de deixar marcas, foram envolvidos por horas de plenitude e paixão
KATIA CHIAPPINI
Nenhuma descrição de foto disponível.
Você, Adélia Einsfeldt, Carmem Marisa e outras 19 pessoas
8 comentários
7 compartilhamentos
Compartilhar

Nenhum comentário:

Postar um comentário