Aquarela de poesias

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domingo, 10 de janeiro de 2021

O VIRA-LATA ROMÂNTICO

 

O VIRA-LATA ROMÂNTICO


O VIRA LATA ROMÂNTICO
Um cachorrinho acompanhava o movimento das pessoas que caminhavam pela pista de esportes que
se exercitavam ,na Usina do Gasômetro .Acompanhava os desportistas e fazia o mesmo trajeto todos os dias. Merecia o carinho das pessoas e se deixava acariciar sem objeções.
Certa ocasião o cão me acompanhou ,na ida e na volta, enquanto eu caminhava ,e só foi embora depois que entrei no edifício onde morava. E esse fato passou a se repetir todas as manhãs.
O cão era de boa aparência ,andar rápido ,sem falhas no pelo e de olhar cândido.
Eu costumava entrar no mercadinho ,antes de me dirigir ao edifício e o cão esperava na calçada.
Observei, certa manhã ,que haviam afixado um cartaz bem na entrada do mercadinho e nele se lia: procura-se e gratifica-se.....
Tratava-se de uma cadelinha perdida e o cartaz trazia o número do telefone para contato
e estampava uma linda foto colorida do animalzinho .O vira -lata não só percebeu o cartaz como ficou encantado ,parado ,em contemplação .Enquanto me aguardava sair do mercado ,ali permaneceu estático.
Certa ocasião ,deparei-me com outro cão se aproximando do mercado ,onde o vira lata estava a me esperar ,e ouvi seus latidos estridentes ,compridos ,cortando o ar e ecoando em forma de lamentos :os de meu amigo .Agora eram os dois cães a olhar a foto e meu amiguinho parecia contrariado :queria exclusividade.
Nos dias chuvosos eu não ia caminhar mas tinha certeza de que encontraria meu amigo ,no primeiro dia de sol,no mesmo local a minha espera.
Eu estava encantada com o vira-lata e este com a visão da foto da cadelinha perdida.
Este triângulo onde se confundia a amizade com companheirismo e onde, observadas as devidas proporções ,se delineava um clima de romance, foi bruscamente rompido.
Ocorreu que ao voltarmos da caminhada ,eu e meu cão ,não conseguimos manter o comportamento habitual, ou seja ,eu compraria o pão e ele esperaria na calçada ,em frente.
Mal coloquei os pés no mercadinho ,meu sossego foi comprometido pelo rebuliço do vira -lata que corria pelo estabelecimento ,latindo alto derrubando os gêneros ,com olhar de quase
desespero e total desconforto .O cão remexia, com as patinhas e com o focinho, os objetos da
prateleira mais baixa e dos caixotes, ao seu alcance, demonstrando extrema ansiedade.
Não me foi possível detê-lo,mas antes que pudesse entender o ocorrido ,levantei os olhos e vi que haviam retirado o cartaz com a foto da cadelinha perdida, pois essa já havia sido recuperada pelos seus donos. Olhei novamente o cão que já estava na calçada ,e para ali retornara ,tão bruscamente como havia saído .Surpreendi-o calmo e já sentado ,prendendo entre os dentes um pedacinho da foto que conseguira resgatar ,entre caixotes ,em sua busca desesperada.
E o pedacinho de papel que passaria despercebido ao transeunte, como se lixo fosse ,era para o cão ,um pedacinho do sonho rasgado ,uma triste lembrança e um ínfimo consolo.
Os donos do mercado e as pessoas presentes ao observar a cena insólita ,não conseguiram ralhar com o cão ,nem espantá-lo ,quando viram que ele prendia com os dentes amarelados,
um pequeno fragmento da foto da cadelinha do cartaz.
O vira -lata ainda atravessou a rua comigo para me deixar na frente do edifício ,como de hábito.
Custei a acreditar que ,desde esse dia em diante ,não vi mais meu amiguinho vira-lata ;ele perdera a namorada virtual e eu o companheiro das manhãs.
Romperam-se os elos desse triângulo que o acaso havia aproximado e também desfeito.
Fico a meditar e não raro lembro do cão vira-lata que perdeu a chance de continuar venerando a foto da cadelinha a quem amou.
E na mesma linha de raciocínio ,fico a pensar ,no homem ,que vive em tempo real seus romances meteóricos ,e que ,talvez, deles não reste um única foto para recordar a pessoa amada.
KATIA CHIAPPINI
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