Aquarela de poesias

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Poesias para você

terça-feira, 9 de junho de 2020

RENASCER É RECOMEÇAR

                    RENASCER É RECOMEÇAR

RENASCER É RECOMEÇAR
Conheci uma senhora com brilho próprio e cuja idade foi um mistério nunca descoberto.
Poderia ter 50 anos, 60 ou mais de 70, porque o bom humor retrocedia aos primórdios dos 20 anos de idade.
Ficou viúva já aos 40 anos e, mesmo assim, criou seus cinco filhos com sacrifício e determinação. E todos estudaram e se formaram para adquirir um trabalho digno que possibilitasse a manutenção das necessidades das suas famílias.
Não houve chance para um novo amor porque a vida com os filhos já lhe tomava todo o tempo e as preocupações com a subsistência e a educação, também.
Lulu ,esse é seu apelido, venceu a si mesma com fé e esperança e o trabalho árduo passou a ser a marca de sua personalidade.
Hoje, com os filhos independentes e bem criados, orgulha-se de seus netos e bisnetos.
Agora se dedica ao que gosta: viagens, sessões de cinema, chá com as amigas, aulas de hidro-ginástica e musculação.
Lulu sempre gostou de tirar fotos das ocasiões festivas e se intitulou a fotógrafa oficial do grupo de amigas.
Entre tantas conversas , por ocasião de suas idas aos encontros na academia esportiva, para participar das aulas de hidro-ginástica, acabamos descobrindo que ela não tivera uma boneca em sua infância.
Célia, uma das amigas, observou seu fascínio por bonecas, bem antes de nós. Isso porque quando Célia passeava com Lulu, percebia que os olhos de nossa amiga não se desgrudavam das vitrines de bonecas, principalmente dos bebês grandes que vinham com mamadeira, bicos, fraldas e outros acessórios.
Talvez, a boneca fosse um jeito de lembrar dos filhos pequenos, além do fato de nunca ter ganho a sua, quando pequena.
Por ocasião do aniversário de Lulu, a amiga Célia teve a ideia de reunir uns trocados para que pudéssemos presenteá-la com uma boneca. Parecia ter surgido a ocasião adequada para ver um especial sorriso nos semblante de Lulu.
Imaginamos que a boneca seria um amuleto, uma companhia, um símbolo da família e a satisfação de um desejo reprimido.
Tendo reunido a importância em dinheiro, coube a Célia a tarefa de escolher a boneca. Eu deveria escolher um lindo cartão de aniversário e escrever uma dedicatória em nome das colegas da Hidro-ginástica, coletando, logo após, a assinatura de todas elas.
Nossa colega Eunice, artista plástica, ficou responsável pela ilustração personalizada do cartão.
Convidamos Lulu para nos acompanhar ao Shopping, onde tomaríamos um chá com ela, como sempre fazíamos após a aula.
Estávamos conversando e já fazendo o nosso lanche quando Célia solicitou um momento de silêncio e se levantou. Abraçou Lulu, disse algumas palavras e entregou-lhe uma caixa grande cor de rosa, lindamente decorada, e contendo a boneca dos seus sonhos.
A aniversariante olhou para o pacote, entendeu logo, começou a chorar, mesmo antes de abri-lo. Ao ver a boneca deu um grito de felicidade, agradeceu o presente e disse que jamais pensou ser lembrada de um modo tão especial.
Lulu retirou a boneca da caixa e fez questão de passar de mão em mão, para depois colocá-la em seu colo.
Célia tirou algumas fotos para registrar o momento, bem como a alegria de Lulu. Fotografou a boneca e todos os sorrisos que se seguiram ao de nossa amiga aniversariante.
A boneca passou a se chamar Celinha, para homenagear a mentora da ideia.
Começamos a divagar e a imaginar a data do batizado da boneca, o bolo do primeiro aniversário, as roupas que Lulu compraria para vestir a nova filha.
Só não festejaríamos os 15 anos da boneca porque não mais estaríamos nesse plano.
Mas Celinha e Lulu brincavam, ocupavam a mesma cama. A boneca virou até confidente e uma boa ouvinte para as horas solitárias de sua dona. Lulu dava banho e trocava as fraldinhas de sua boneca-bebê, passava talco e vestia roupas que ela mesma fazia, usando sua já esquecida máquina de costura.
É como se estivesse acontecendo o recomeçar de Lulu.
A boneca e sua dona ora se confundiam ora pareciam uma só.
Lulu tinha em Celinha um motivo a mais para viver, ou uma sessão de terapia que se repetia, diariamente. E um novo olhar brilhava nos cansados olhos de nossa amiga querida e tão simples.
Lulu e a boneca se tornaram inseparáveis e insuperáveis.
Realmente, esse foi o recomeçar de Lulu, após seus quase 80 anos de vida. Certamente, a boneca preencheu o espaço vazio de seu sofrido coração, em noites escuras.
Continuamos a presentear Lulu com nossa amizade.
Quando fomos visitá-la, percebemos que Lulu fizera uma linda colcha de cetim, ornamentada com almofadas soltas, bordadas com o nome ''Celinha','em ponto cheio. E a boneca ficava deitada ou sentada entre as almofadas, exibindo roupas escolhidas com carinho e um perfume que exalava por todo o quarto.
Lulu não teve outro companheiro desde a época de sua viuvez. Mas sempre gostou de dançar nos bailões, á tarde, promovidos pelos clubes que valorizavam o lazer da terceira idade.
Certa ocasião conheceu um senhor muito gentil que passou a lhe fazer companhia durante as tardes, em alguns dias da semana.
Tomou-se de amores por esse homem e passou a nutrir por ele, um sentimento platônico, mas profundo, daqueles que abalam as estruturas de qualquer mortal sobre a face da terra.
O tempo foi passando e Lulu esperava pelos dias da visita costumeira. Após um ano, mais ou menos, um certo dia, o homem não apareceu. Soube-se, depois, que ele havia viajado sem data para retornar.
Lulu ficou com mais essa lembrança. E relembrando um carinho feito em seu rosto, um abraço, um sorriso deixado na alma e algumas palavras amigas, foi se conformando com mais essa perda. Como havia uma diferença de idade considerável entre Lulu e esse amigo que se tornara especial, ela jamais pensou em declarar seu amor. Jamais quis ser mal interpretada porque a consequência poderia ser a ausência do amigo, seu afastamento causado, possivelmente, por um certo espanto, ou temor.
Assim como Lulu, também precisamos de novos estímulos para seguir em frente, com um largo sorriso na fisionomia.
Temos que perceber a hora de abrir novos espaços, buscar novos ideais e limpar o coração das sombras que nos deprimem.
Só um recomeço nos trará fôlego para aperfeiçoar a trajetória, arcar com os desafios, assimilar novas situações de vida.
Mais importante do que trocar os móveis de lugar, pintar as pardes de nossa casa, comprar o último equipamento tecnológico, é descobrir a nós mesmas,( os ) em todo o tempo e lugar. E jamais esquecer que temos nossa essência interior a preservar, bem como nossa centelha divina ,nosso bem maior.
Recomeçar é renascer a cada dia, junto ao Sol da manhã, junto ao orvalho da aurora.
Recomeçar é louvar a Deus ao acordar. É viver mais um dia com intensidade de sentimentos. É desejar que todas as esperanças se renovem e que a fé na humanidades ainda faça sentido.
E se essa história que fala do ''recomeçar'' de Lulu for quase uma lenda, que seja a mais significativa de sua maturidade.
E se for uma fábula, que deixe para todos nós a seguinte mensagem:
- O que seria da realidade se não existisse a possibilidade de sonhar os sonhos mais lindos?
Dedico esse texto para Maria Luiza Fraga, Maria Rocha ou Lulu.
KATIA CHIAPPINI

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