Aquarela de poesias

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Poesias para você

quarta-feira, 24 de abril de 2019

CENA DE SUPERMERCADO

                CENA DE SUPERMERCADO

As pessoas estavam fazendo suas compras no supermercado.
Eu já estava largando os volumes no balcão para serem registrados.
Em dado momento as pessoas pararam e se surpreenderam com gritos e lamentos.
Tratava-se de uma mulher bem simples, sem documentos ,sem dinheiro algum. Ela dizia que estava com fome, mas em suas mãos, não se via nada que tivesse sido subtraído das prateleiras.
Mas a mulher se descontrolou porque um dos seguranças do supermercado a interpelou. Ela pedia que a deixassem ir embora, sem chamar a polícia. E dizia que não tinha tocado em nada.
Gritou por mais de 20 minutos, ninguém interferiu porque havia outros seguranças cercando a mulher e impedindo que saísse.
Acho que tentou roubar algo, mas só tentou e foi impedida.
Fiquei surpresa ao ver que as pessoas não tentaram acalmar a mulher, ou questionar os guardas, ou perguntar se ela queria um litro de leite e um pão para se alimentar.
Todos seguiram fazendo suas compras com normalidade.
Em dado momento, depois que a mulher já estava rouca de tanto implorar que a deixassem sair, um gerente do supermercado fez sinal para que ela saísse e saiu da frente da porta para lhe dar passagem. 
A mulher se abraçou no homem, comovida, com o rosto mais normal, com os gestos controlados e saiu a passos largos, bem apressada.
Outra mulher saiu atrás dela com um refrigerante e um sanduíche, mas não conseguiu entregar.
Ao se desesperar, quando dentro do supermercado, a mulher olhava para os seguranças e dizia: 
- Pra vocês é fácil me prender porque nunca passaram fome.
Fiquei até nervosa e distraída com essa cena, porque a mulher me emocionou pelo modo como reagiu: sem agredir, mas se lamentando e apelando para a boa vontade de todos aqueles homens fardados que a impediam de sair.
Ela dizia: 
- Não posso ser presa porque estou sem identidade e vão me maltratar e demorar mais para me soltar.
Ao sair, eu paguei minhas compras mas as esqueci sobre o balcão. Uma moça gritou, pedindo que eu esperasse por ela e me deu os volumes.
Bem, o fato é que nunca é possível saber se o gerente que a soltou ficou comovido com a cena, ou se ficou preocupado com o mal estar que  a cena poderia causar no ambiente.
E é triste pensar que há tantas mulheres, homens e crianças perambulando famintos pelas cidades e sem amparo das autoridades competentes, pois não há preocupação com essa parcela da população. Estamos distantes de despertar para o exercício da solidariedade e de exigir o cumprimento de políticas públicas voltadas aos asilos, orfanatos e casas de amparo à população carente, sofrida e jogada na rua.
Uma tarde dessas, eu estava na parada do ônibus. 
Passou um maltrapilho com seu carrinho e seu cão, talvez, único companheiro.
Pediu-me dinheiro. Mas eu disse-lhe que ia para academia com meu vale transporte e só um troco para pedir um cafezinho no bar da esquina.
Ele ficou conversando e me contou que fazia ponto numa praça aqui da cidade de Porto Alegre, porque havia uma senhora que fazia umas marmitas e distribuía para quem lá estivesse, na hora do almoço.Ela preparava 10 marmitas para doação.
Mas, se ele não chegasse bem cedo, já não conseguia comer .Pensou que pudessem roubar as marmitas porque percebeu que sumiam com rapidez.
Um dia, se escondeu entre as árvores da praça e viu duas senhoras bem vestidas levarem quatro marmitas para casa.
E assim como elas, outras pessoas de classe média roubavam os volumes. 
Mas, infelizmente, ninguém denunciava esse roubo e os indigentes perdiam a chance de se alimentar.
E eles também não contavam para a senhora que lhes alimentava, o que tinham visto.Pois, se  reclamassem, a senhora que fazia essa obra humanitária poderia parar de trazer as marmitas.
Pior do que isso, esse homem me disse também, que às vezes, uma pessoa abria uma marmita e colocava pedrinhas da rua no meio da comida, ou gravetos.
Então, que povo é esse que teima em achar graça nessas atitudes?
Onde estão os valores primordiais a serem preservados?
Finalmente, meu ônibus chegou, me despedi do homem.Ele agradeceu minha atenção, se emocionou e vi as lágrimas correndo, pois sabe-se lá, quanto tempo tinha esperado por uma palavra amiga?
Fiquei pensando que quando o cão desse homem morrer, ele seguirá acompanhado apenas de sua própria sombra.
Ah! um detalhe: perguntei ao homem onde ele morava, querendo me referir ao bairro, pois o tempo parecia chamar uma chuva, já que estava nublado.
Ele respondeu:
- Moro num papelão.

KATIA CHIAPPINI

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