Aquarela de poesias

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Poesias para você

quarta-feira, 16 de julho de 2014

UM SUSTO: DOR DE OUVIDO

                  UM SUSTO: DOR DE OUVIDO
              

Pensando friamente parece bobagem falar de dor de ouvido.
Mas como não costumo ter essa preocupação, o fato me deixou pouco à vontade. O ouvido inflamado foi consequência de uma gripe mal curada.
Consultei a médica e ela receitou antibiótico, o que já era esperado.
Ela explicou que a audição voltaria, passo à passo.
Quando soava o telefone, a campainha, o interfone, meu filho se prontificava a atender porque eu não me dava conta dos sons se não estivesse por perto. Se as pessoas falassem comigo eu pedia que repetissem a frase dita. Fiquei indisposta, com dor de cabeça, com dor no corpo e com menos disposição para cumprir com os meus compromissos.
Durante quatro dias nem tive ânimo para tocar piano. No quinto dia tentei dedilhar meu repertório musical. Escolhi as partituras e iniciei a execução das peças.
Mas, nesse instante, levei num tremendo susto porque o som que eu ouvia ecoava como se estivesse ao longe, diminuído.
Fiquei decepcionada e triste, pois nem imaginei que não pudesse ouvir o som do meu instrumento: único e aveludado. Parecia que eu estava tocando com o pedal baixo, aquele que abafa a altura do som quando se quer tocar à noite. Nada foi tão visivelmente frustrante como esse fato.  No dia seguinte procurei outro médico para saber sua opinião. Mas ele confirmou o diagnóstico de sua colega e não incluiu nenhuma medicação complementar.
Voltei para casa pensativa e, no caminho, me veio à mente o sofrimento das pessoas surdas e rezei por elas. Também rezei para que nada disso me acontecesse e que minha recuperação fosse breve.
Fiquei ciente da importância de poder ouvir só quando percebi que o piano não me deu o retorno, quando dedilhei uma melodia.
Sem a audição completa como apreciar a música dos grandes mestres?
Como dedilhar Zequinha de Abreu, Ernesto Nazareth, Cartola, Lupicínio Rodrigues, Noel Rosa, Tom Jobim e os clássicos onde se exige uma sintonia fina? 
Lembrei-me dos netos pequenos que me ensinam as melodias do jardim de infância para que eu possa cantar junto com eles.
Lembrei-me de que, muita vezes, devo ter deixado de ouvir meus amigos em suas confidências. E de ouvir todos os sons da natureza e dos animais que a enfeitam.
Lembrei-me do toque da sineta chamando os alunos para se dirigirem às salas de aula. E quão importante é esse toque e o que representa.
E vou ouvir mais vezes a voz do poeta declamando poesias de sua autoria nos saraus locais.
E quando estiver curada desse mal que me aflige, vou recuperar o toque do piano e os momentos de lazer e encantamento que perdi.
Vou interpretar meu repertório com especial emoção.
Vou prestar atenção no sino da igreja. Ele toca pela manhã para chamar os fiéis para assistirem à missa. E vou aproveitar para ajoelhar na cerimônia religiosa e fazer uma novena para que Deus me conserve a audição.
E quero me propor a ouvir tudo o que deixei de ouvir por medo ou vergonha.
Vou correr todos os riscos e não permanecer surda aos meus próprios anseios.
E quero ouvir aquela voz mansa feito dolente melodia e todos os sussurros que não me permiti ouvir.  E quero escutar todas as declarações que esperam pelo som magnífico do ''Bolero de Ravel'', para me serem feitas.

                                  KATIA CHIAPPINI
                       e-mail:katia_fachinello42@hotmail.com




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