Aquarela de poesias

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Poesias para você

terça-feira, 12 de março de 2019

UMA CARTA DE AMOR

                    UMA CARTA DE AMOR

Guardada em uma gaveta, dentro de um antigo diário, descobri uma carta de amor.
O moço estava saudoso porque eu viajara para Santana do Livramento, para passar o Carnaval em família, no clube da cidade, do qual meus tios eram sócios. Era período de férias.
Meus tios tinham nos convidado para passar uns dias com eles.
O moço não quis viajar comigo e depois se arrependeu.
A carta falava de amor, de saudade, de planos para o futuro.Era delicada, gentil, ao mesmo tempo, cheia de lamentações e receios. Era a primeira vez que nos separávamos.
Desde que nos conhecemos ,em tempos idos, o moço ia me buscar em casa, todos os dias, para irmos para a faculdade. Além disso, me levava para o curso de Inglês e frequentava minha casa com assiduidade e com a permissão de meus pais.
Então, a carta era uma poesia, uma ternura só. As palavras de carinho que continha, as juras de amor, as breves lembranças de momentos especiais, tudo era retratado com encantamento.
As palavras utilizadas nessa carta, não são mais do conhecimento de nossa juventude.
Ao reler as frases elaboradas com cuidado, e ao perceber os sonhos a se revelarem ,bem como, a expectativa de uma vida em comum, o pensamento se transportou para lugares distantes, para os verdes campos.E para os açudes tranquilos com brancas garças  sobrevoando e pousando nas margens, embelezando a paisagem.
Na carta, o moço queria saber de mim se eu estava com saudades, se queria encontrá-lo logo, se eu não estava ansiosa para lhe dar um abraço e um caloroso beijo.
A carta estava amarelada, o papel tinha afinado, e se tornara quase transparente. A tinta estava enfraquecida e já havia dificuldade para ler alguns trechos. 
Uma folha seca ,entre as páginas, estava inteira ,mas perdera a cor.
Ao ler um trecho com grande apelo e declarações de amor, derramei algumas lágrimas sobre a carta. Inesperadamente, o papel se rompeu quando fui secar a umidade. A carta ficou com um furo grande no meio. Mas, nem por isso, vou dela me desfazer.
A carta é minha memória materializada, onde um certo moço, meu eleito, se revela um poeta, um'' gentleman'' perfeito, irretocável. 
Como está guardada desde os tempos de minha juventude, essa carta foi escrita num passado remoto. 
A letra é desenhada, a caligrafia perfeita e o capricho indubitável.
Não importa que a vida tenha nos separado e que a situação seja outra. Todo o contexto nos é precioso e faz parte de nossas memórias.
São nossas vivências e delas adquirimos a maturidade e conhecimento para enfrentar as intempéries e os fatos da vida.
Quando se teve um grande amor, é como se ainda o tivéssemos, pois, de certa forma, é presença, mesmo na ausência.
Cada fase da vida é diferenciada e as circunstâncias mudam.
Mas, as pessoas que passaram por nós, deixam saudade. Tornam-se amigas e solidárias com nossos problemas.
E as cartas de amor são privilégio de poucos. São tesouros preciosos que guardam nosso sentimento. Retém nossa juventude, nossos sonhos e devaneios.
Cartas de amor são perfumadas. E quando perdem o perfume ainda o sentimos, pela vida a fora.
Cartas de amor são sentinelas de nossos instantes de profundo encantamento. São elos que envolvem as almas no amor e na paixão. São símbolos a quem se empresta vida e calor.
Encontrei ,em minha carta, entre outras, essas frases:
- As vezes a saudade aperta meu peito e transforma minha respiração, como se eu fosse desmaiar de dor: a dor do amor.
- Nunca amei ninguém desse modo e jamais irei te esquecer, porque só me encontrei quando te conheci. Por ti me tornei melhor.
- Querida, quando falo que te amo, acredita em mim. Falo do fundo da alma ,pois és minha verdade : transparente e bela.
- Quando disseste que duvidavas de meu amor, me deixaste muito triste e peço que nunca mais repitas isso. Meu amor por ti é tanto, que vivo para estar atento aos teus desejos, pois quero satisfazê-los, todos. 
- Quando reclamaste que quase não te dou presentes, lembra-te de que nunca os recebi. E que moro na cidade grande sozinho, desde muito jovem, pois vim para buscar trabalho e para buscar meus irmãos. Quero que tenham um bom estudo e uma profissão digna.
A carta tem cinco folhas escritas, por onde deslizam confissões calorosas, o pedido de casamento e planos para o futuro.
Quando retornei das férias, lá estava o moço me esperando, com flores e perfumes acondicionados em lindas embalagens.
Disse-me, logo que nos abraçamos:
- De hoje em diante, faremos todas as viagens juntos.
No carnaval do ano seguinte, fomos para Santana do Livramento e meu, então, noivo, pulou carnaval com meus primos e nos divertimos muito por quatro noites seguidas.
Tenho fotos em preto e branco desse carnaval, quando desfilamos fantasiados pelo salão, vestidos à rigor. E, sobre a roupa, confetes e serpentinas emolduravam nossas fantasias.
Reli a carta, vivi momentos lindos.
Vou guardar a carta novamente e sei que as palavras vão ficar em minha memória e as declarações de amor vão alegrar meu coração.
Bem-vindas sejam as cartas de amor e as pessoas que as receberam.
Hoje, estão extintas.
E nem podemos falar delas, a não ser para as pessoas mais íntimas.
Corremos o risco de ser motivo de chacota, nesse momento, em que a felicidade incomoda as pessoas invejosas: as que nunca tiveram um grande amor para celebrar a vida..
Cartas manuscritas são demonstrações dos sentimentos da alma, a serviço do amor.
Convido a todos, num instante qualquer, de um belo entardecer, a procurar suas cartas de amor, se um dia tiveram a felicidade de recebê-las. Permito-me dizer que ao folhear suas páginas, é possível se embriagar de saudade.
E é passível redescobrir as sensações e tremores secretos que ainda sabem provocar. 
As palavras profundas das cartas de amor fizeram morada em nossas almas, desde que souberam se perpetuar em nossas lembranças.

KATIA CHIAPPINI

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