Aquarela de poesias

Aquarela de poesias
Poesias para você

sexta-feira, 24 de julho de 2020

SAUDADES DAS CASAS ANTIGAS COMO A DE VOVÓ

            SAUDADES DAS CASAS ANTIGAS
            COMO A DE VOVÓ

Minha querida vovó Glória morava em Santana do Livramento e recebia os netos durante as férias escolares.
Santana do Livramento faz fronteira com Rivera, cidade uruguaia.
A casa era muito grande e se estendia por todo o quarteirão, ou seja, um quadrado limitado por quatro ruas.
Na frente ficava a Farmácia Nacional, propriedade de meu avô.
Eu adorava, ainda bem pequena, atender o balcão quando ia visitar vovô na farmácia. As balconistas me ensinavam onde ficavam os produtos de perfumaria e cosméticos, para que eu me limitasse a atender num certo local, sem atrapalhar a venda dos remédios.
Vovó ficava nos afazeres domésticos e era excelente no preparo de quitutes de toda ordem e de deliciosas sobremesas, sempre presentes após as refeições.
Ela tinha uma cozinheira que chamava de serviçal, portando um lenço nos cabelos e um avental apropriado para desempenhar suas funções.
Vovó era muito boa e carinhosa para com os netos. Mas exigia disciplina e pontualidade na hora das refeições feitas em família.
O café da manhã era servido bem cedo e todos precisavam estar acordados para a primeira refeição do dia.
Vovó determinava algumas tarefas a cumprir porque éramos muitos netos a preencher as dependências da casa.
Haviam dois pátios grandes. Um deles era tomado por árvores frutíferas e animais de pequeno porte: um galo, algumas galinhas, um coelho, um cão e alguns gatos. O outro pátio tinha alguns pneus velhos, balanços, escorregadores, uma cabana de lona, onde podíamos brincar. E bicicletas, bolas, mesa de ping pong e goleiras para praticar futebol.
Vovó era faceira e seu banho de banheira não podia ser interrompido. Ela ficava muito tempo na higiene pessoal e saía das águas toda pintada, bem penteada e perfumada. Era uma dama bem cuidada e vaidosa.
Vovô ocupava, nas refeições, a ponta de uma enorme mesa retangular: era o lugar de honra.
Vovó servia o prato dele em primeiro lugar e depois o de todos os presentes. Por último se servia e sentava para almoçar ou jantar.
Os vidros de compotas caseiras estavam enfileirados em cima do armário da copa. Vovó tinha sempre um estoque considerável para servir às comadres que começavam a chegar, ao entardecer.
Quando ia chegando a noite as cadeiras eram colocadas na calçada e os vizinhos traziam suas próprias cadeiras para estender a hora do chimarrão e para contar aqueles ''causos de pescador ''.
As crianças podiam ficar brincando de amarelinha, na frente da casa .Os pequenos traziam suas bonecas ( as meninas) ou carrinhos
( os meninos )
Os netos maiores frequentavam os cinemas ou encontravam os seus amigos para passear no centro da cidade.
A porta da frente ficava fechada mas não chaveada. O último a chegar deveria revisar as janelas e portas e fechar devidamente.
Havia um horário em que não se fazia barulho algum e nem se caminhava pela casa. Essa era a hora da oração de vovó ,sempre às 18 horas, quando sentava na cadeira de balanço dedilhando um rosário. 
Nos quartos de dormir havia claraboia: uma janela de vidro no telhado, onde a luz do dia já iluminava o ambiente, cedo da manhã.
O leiteiro, o açougueiro, o jornaleiro e o entregador de gás, todos tinham acesso livre e iam entrando para falar com vovó que já deixava a porta da casa entreaberta.
Os primos conviviam em perfeita harmonia e respeitavam qualquer pedido que minha avó fizesse.
Todos queríamos ser convidados para visitá-la nas próximas férias. Aos domingos podíamos ir ao matinê. Eram sessões de cinema, à tarde. E podíamos pagar um ingresso e ver dois filmes.
Meu avô ficava na farmácia e atendia de pé, o dia todo,sem descanso. Era muito dedicado ao trabalho e caridoso. Aos que não podiam pagar, ele não cobrava .Jamais deixava de atender às necessidades dos que o procuravam. Atendia também durante a noite, se escutasse o barulho da campainha.
Minhas férias se intercalavam entre a casa de minha vó e a casa da estância, onde meus tios se dedicavam às lidas do campo.
Minha vovó Glória só descansava um pouco depois do almoço.
Sua atividade era contínua e a mesa do café da tarde era recheada de guloseimas: pães caseiros, cucas, bolos, bolachas, pudins e compotas em calda. 
Vovó também costurava suas roupas, estofava as cadeiras, fazia tricô e croché.
Lembro-me também de que ela atendia todos os netos em suas preferências: uns queriam que ela fizesse ambrosia, outros lhe solicitavam o doce de ovos que ela apelidou de amarelinho.
Minhas férias, entre primos, ora com meus avós, ora com meus tios, foram repletas de boas lembranças.
Minha vovó Glória foi o esteio de meu avô e o equilíbrio da casa. Parte do seu tempo transcorria na farmácia, onde ajudava meu avô no atendimento ao público
Ao chegar de Porto Alegre eu costumava dar um ''pulo'' na confeitaria da cidade para comprar para vovó uma bandeja de doces: os seus preferidos. Ela dava um lindo sorriso e me agradecia.
Quando eu voltava para casa com meu irmão, ela preparava a galinha na farofa para que nos alimentássemos bem, pois a viagem de trem era longa.
A casa de minha avó tinha um apelo especial. Eu aguardava as férias para poder voltar todos os anos.
Meu avô me deu meu primeiro acordeon para fazer uma serenata gauchesca, aos finais de tarde, quando nos reuníamos.
Depois, minha tia Bebê comprou outro igual para levar para a estância e para que eu pudesse tocar, na frente da casa, depois da peonada voltar do campo e se acampar em seus banquinhos toscos, para participar do lazer sonoro.
Essas são minhas doces lembranças de uma vida toda.
Minha vovó,sempre cercada por filhos e netos, teve um final feliz.
Mereceu todo o carinho que recebeu da família, sempre presente ao redor dela.
E vovô foi um companheiro sem igual, de temperamento cordial. E minha vó andava sempre a procurá-lo pela casa, quando voltava da farmácia.
Felizes aqueles que reconhecem na família o seu bem maior!
Felizes aqueles que sabem transformar a casa em um lar harmonioso, onde a  qualquer tempo e hora, encontram consolo e compreensão.
E onde o amor é vivenciado em pequenos gestos que sensibilizam todos os corações.

KATIA CHIAPPINI

Um comentário: