Aquarela de poesias

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Poesias para você

sexta-feira, 8 de março de 2024

VIAGEM DE TREM

                        VIAGEM DE TREM


Houve uma época, quando havia a estação ferroviária, que os trens circulavam nas estradas e levavam carga e passageiros.

Nas férias  escolares, eu costumava visitar meus avós em Livramento, fronteira do Rio Grande do Sul com Uruguai. 

Era chamado de Minuano o trem de minha infância e adolescência.

Havia a possibilidade de viajar no ônibus leito, onde as camas de dois andares tornariam o transcurso mais confortável.

Mas, eu preferia ocupar uma poltrona, junto à janela, para vislumbrar a paisagem.

As crianças nos abanavam quando o trem passava. Era lindo ver as cabecinhas na janela, e a face risonha da infância. mesmo habitando casebres sem conforto algum.

Uma das vezes que fui de Porto Alegre para Livramento, sentei ao lado de um senhor simpático, porque esse era meu lugar.

Meu irmão e minha tia ficaram lado a lado e eu estava sozinha em outra poltrona.

Esse senhor levava um farnel de aroma muito especial que me despertou o paladar. Era uma galinha assada e bem dourada, coberta por farofa.

Quando ele se serviu, perguntou se eu aceitava um pedaço .Sem cerimônia alguma, escolhi uma sobrecoxa bem polpuda.

Mais tarde, ele se serviu novamente e me ofereceu outro pedaço.

Percebi que tinham sobrado pedaços pequenos para ele, já que voltou a me brindar com seu farnel. 

Acabou sem se alimentar direito.

Pedi desculpas por me servir dos pedaços maiores a cada vez.

O homem sorriu e parecia nem estar contrariado com a situação.

Em outra ocasião viajei no inverno e a noite estava muito fria.

Do meu lado um cidadão  dormia, coberto por um edredom bem recheado de espuma.

Esperei um pouco e depois de um tempo, puxei o edredom e me cobri com ele para dormir um pouco também.

Quando o homem se mexeu e começou a roncar, eu acordei bem assustada e já bem atenta. Ao perceber que o corpo do homem se mexeu, tirei o cobertor de meu corpo e coloquei sobre o do homem, novamente, Ele sentiu, acordou e me olhou surpreso porque eu não havia acabado de cobri-lo.

Eu não esperava por isso porque ele parecia estar dormindo profundamente.

Mas, pensei rápido e falei, antes que me perguntasse algo: 

- Senhor, estava lhe cobrindo porque, quando virou para o outro lado, seu edredom caiu.

O homem sorriu e agradeceu a minha atenção.

Quem viajava comido era o meu irmão e essa tia muito querida que era hóspede de meus avós.

 Ela levava uma garrafa com ela e eu pedia para provar a bebida que continha no vasilhame. Minha tia dizia:

- Não posso oferecer porque esse é meu xarope para a tosse.

Quando cresci , descobri que era um licor precioso e especial que ela sempre levava onde fosse.

A viagem de trem era um dos prazeres de minhas férias. O barulho do trem nos trilhos, as curvas, a fumaça, a paisagem que ia se descortinando, tudo era uma festa para os meus olhos.

O restaurante do trem tinha algumas iguarias diferenciadas e o ambiente era bem tranquilo e asseado. 

Numa de minhas viagens, me deparei com um cidadão que trazia uma galinha e achei curioso. Mas, a galinha não incomodou ninguém.

A visão das serras ou das campinas ou de grandes extensões de campo, com o gado pastando e cavalos correndo, era deslumbrante para quem morava na capital e nem conhecia essa paisagem cheia de surpresas.

Muitas viagens de trem fiz em minha vida. 

Quando a alfândega não era tão severa e revisava as bagagens de alguns trens e de outro não, eu trouxe um jogo de taças de cristal, em minha mala, enroladas em panos pequenos, uma a uma. E depois todas juntas enroladas num lençol para disfarçar.

Eram taças compradas no Uruguai e não deveriam estar no trem. Mas, uma prima pediu que as trouxesse e tive sorte de não ser revistada a minha bagagem, porque eu estava contrabandeando.

Depois disso, não a aceitei trazer mais nada de pessoa alguma.

A lembrança do trem Minuano nunca me abandonou.

Meu avô ia me buscar na estação .Eu encontrava meus primos que eram convidados para passar as férias junto comigo e com meu mano. Eu era a neta mais velha e colocava todos em ordem e meus avós apreciavam o fato de eu contar história para eles, durante a sesta que gostava de fazer junto com meu avô.

Ela e vovô trabalhavam na farmácia da família e descansavam um pouco após o almoço.

Vovó era incansável e nos esperava com doces em compota, com ambrosia, doce de ovos, pão caseiro e cucas recheadas de sabores diversos.

As férias eram perfeitas.

E o trem de ferro foi um importante personagem de  meus tempos de menina de tranças e de fita no cabelo.


KATIA CHIAPPINI

   

 

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