Aquarela de poesias

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Poesias para você

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

MEDALHAS :2

               MEDALHA DE ESTIMAÇÃO

Quem a conheceu dela se aproximou e reconheceu sua bondade.Tinha um belo sorriso, voz firme, um jeito carinhoso de ser Dinâmica, aos 80 anos. Ocupava-se das lides domésticas com esmero, aos netos, às orações diárias. Essa era minha avó: D. Glória
Sua liderança também se exercia na profissão de meu avô a quem auxiliava na farmácia. 
Vovó costumava mencionar uma medalha do Sagrado Coração de Jesus, que conservava pendurada no pescoço. Era uma relíquia de família, de ouro 18, com dois pequenos brilhantes e duas pedrinhas de rubi. Pertencera a tantos antepassados que já se perdera a noção do tempo que estava na mesma família. Minha vó invocava o Sagrado Coração, todos os dias, pedindo que olhasse por todos nós. 
Vovó morava em Santana do Livramento onde eu e meus primos passávamos as férias escolares. Quando meu avô faleceu fui vê-la, de imediato.  Choramos abraçadas, pois, eu e meus avós éramos muito unidos. Meu avô me dedicava especial atenção porque eu levava vovó onde quisesse ir e procurava estar perto de sua cadeira de balanço, onde permanecia, após terminada a lida da casa.
O primeiro bispo do Rio Grande do Sul foi meu tio distante e crescemos ouvindo dizer que o fato de existir um bispo em nossa família nos daria uma bênção especial até a oitava geração. Ele se encontra sepultado na catedral de Porto Alegre, onde se avista uma cadeira vermelha, junto ao altar e que foi comprada para o seu uso.
Chamava-se Feliciano José Rodrigues de Araújo Prates, primo de minha avó. A mãe do tio bispo já usara a medalha que agora pertencia a minha avó.
Quando vovó veio a falecer dispensou-se o testamento por escrito. Os filhos se reuniram e já sabendo das disposições de minha avó partilharam seus bens na mais perfeita harmonia.
Ao pender a cabeça sobre o ombro de uma das filhas, vovó sentindo-se fraca, sem nenhum gemido, olhou para ela e sussurrou ao morrer :
-A medalha do Sagrado Coração é de minha neta Katia. Pouco depois eu recebi de minha mãe ,sua filha mais velha, a medalha que me fora presenteada no leito de morte. Pequenos gestos que tive para com minha avó ficaram guardados em seu coração. A medalha
foi  a prova material de seu apreço por mim. Lembrei-me de que  ouvira meus primos e tios indagarem sobre quem receberia a medalha de vovó e, na época, nem dei atenção a isso. Mas lembro-me de que vovó dava seu mais belo sorriso como resposta. 
Ao colocá-la em mim senti a energia de vovó e mentalizei que me desse proteção nos momentos de conflitos íntimos, a mim e a minha família. O Sagrado Coração já está comigo, faz alguns anos. E está nas minhas preces e junto ao coração.
Pode parecer falta de lucidez, excesso de imaginação, ilusão ou motivo de estranheza, mas o fato é que creio na força e na vibração da medalha. E essa fé se confirmou por ocasião do fato que passo a narrar :
-Vou compartilhar com vocês.
Certa ocasião preparei-me para ir às compras, como de hábito. Uma hora depois voltei portando várias sacolas em cada mão, deixando a bolsa pendurada pela alça em meu ombro direito. Andei em direção à casa percorrendo algumas quadras em linha reta até dobrar uma esquina onde deveria descer a lomba íngreme. Desci metade dela e senti uma presença ,atrás de mim, como se surgisse das sombras, sorrateiramente. Virei-me, assustada, mas controlada. Um homem alto, maltrapilho, fixou-me o olhar. Rapidamente, tratei de esboçar o meu melhor sorriso e desejei do fundo da alma  que esse fosse o do melhor momento, meu único escudo, depositário da crença , que ainda conservo, na ternura do ser. A seguir toquei-lhe o ombro com firmeza e disse :
- Com licença, preciso prosseguir.
Enquanto eu dizia essas palavras tratei de tirar de uma das sacolas um saco de leite e outro de pães, depositando, ambos, nas mãos do homem. Ao levantar a cabeça, percebi, ao erguer os olhos, os seus olhos fixados em minha medalha e em meu rosto. Certamente estava surpreso com meu tratamento. E, sem tirar os olhos da medalha, desceu correndo lomba abaixo, nervoso, falando alto e vociferando blasfêmias. A certa altura, parou perto da parede, junto à calçada e bateu com a própria cabeça e logo depois soluçou. O choro chamou a atenção dos transeuntes e no rosto do homem  havia um misto de dor e desespero, ou mesmo, arrependimento, por não ter roubado minhas sacolas. Um senhor bem vestido, com físico avantajado e aparentando ter  coragem, a tudo observava. Dirigindo-se a mim falou  :
- Estava a ponto de interferir e dar uma surra naquele homem se tentasse roubar suas sacolas.
Agradeci ao senhor e fui para minha casa, aliviada e surpresa. Respirei fundo, para relaxar, lembrando da explosão do homem e do seu desaparecimento logo depois.Tanto minha bolsa como as sacolas estavam intactas.
Apertei a medalha entre as mãos, agradecida, invocando a proteção do Sagrado Coração, do tio bispo, de minha vó Glória. Fiz uma prece, apertando a medalha, desejando que todos os santos olhassem para aquele coração sofredor. Fiquei a imaginar o que teria passado pelo pensamento de meu quase agressor para que não levasse nem minha bolsa, pendurada displicentemente no ombro e com a alça distante do corpo. E aquele olhar dele me deu um sentimento de pena e de uma quase tristeza.
Desejei, ardentemente, que encontrasse uma nova perspectiva de vida e a si mesmo, num novo caminho. 
Que encontrasse, antes, um pequeno fragmento da centelha divina
que habita em todos nós. Ela é um presente de DEUS e recebemos ao nascer.
Que o homem sofredor de minha história possa encontrar algum alento para sua alma atormentada porque me pareceu que guarda um pequeno núcleo de pureza em seu interior, em sua essência.


                         KATIA CHIAPPINI


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