Aquarela de poesias

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Poesias para você

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

O ANIVERSÁRIO DE LILI

                   O ANIVERSÁRIO DE LILI

 Uma menina de 7 anos de idade morava no interior. E por lá o trabalho era intenso, num pequeno pedaço de terra, onde se criavam galinhas, porcos e outros animais. E onde se tomava o leite da  vaca, na hora em que era tirado, quentinho, com colarinho de espuma.
A menina gostava de brincar no campo, passear no seu cavalo mansinho, tomar banho de açude e correr na grama tratada.
Sua mãe trabalhava tanto quanto o seu pai. E até mais do que os outros empregados contratados para a lida.
O pão caseiro não era esquecido e tinha seu lugar à mesa, com louvores.
Havia um clima de  muita exaustão, porque o trabalho era contínuo e se repetia, diariamente, com igual empenho e eficácia.
Nesse ambiente interiorano e onde as tarefas caseiras eram de toda ordem, Lili vivia com seus pais.
Sua mãe a colocou na Escola primária e ela apreciou o fato de contar com algumas amiguinhas para brincar.
Lili era alegre, loira, inteligente e observadora.
Foi na escola que descobriu que um certo dia era chamado de dia do aniversário. E que nesse dia a gente ganhava brinquedos e jogos dos amigos. E que ainda comia doces e salgados e apagava as velinhas do bolo de aniversário.
Em sua casa passava em branco: era um dia como qualquer outro.
Então, ao completou seus 8 anos, sem que sua mãe soubesse, resolveu convidar  os coleguinhas da escola e os amiguinhos da redondeza. Explicou, de um a um, que levassem seus irmãos e pais.
Mas, justamente nesse dia, sua mãe resolveu matar um porco e se ocupar de lavar a pele, pendurar no varal, colher a banha e tudo o mais que se aproveita do animal.
E Lili ficou apavorada porque percebeu que nem tinha como pedir que a mãe preparasse apenas um bolo para oferecer aos seus convidados.
A casa foi ficando repleta de vizinhos e a mãe de Lili seguiu trabalhando sem parar, pois não podia nem pensar em deixar suas tarefas pela metade.
A única novidade era uma quantidade de pães que saíram do forno, bem fofos e quentinhos.
Lili ofereceu  pão com banha de porco, açúcar e torresmo para as crianças. Elas gostaram muito porque já estavam com fome. Depois de brincar lá fora, correr, pular corda ,jogar amarelinha, entre outras atividades, como recusar  fatias de pão caseiro fosse o recheio qual fosse? 
Lili adorou seus presentes, pois essa foi a primeira vez que ganhou alguma coisa em seu aniversário. E, mesmo, havia demorado para descobrir essa data: era como se não existisse para seus pais.
Os adultos não paravam de chegar e não havia guloseimas de festa de aniversário, nem bebida alguma.
A mãe de Lili se desculpou e falou que nada sabia sobre o convite feito e que sua filha agira sozinha.
As ''comadres''pareciam estar bem à vontade porque falaram o tempo todo, umas com as outras, e aproveitaram para pôr as fofocas em dia.
E Lili estava radiante com suas lindas bonecas acompanhadas de cartelas de roupas e sapatos. Ganhou jogos diversos como quebra -cabeça, tabuleiro de dama e moinho, cartas de baralho, jogo de bingo. E se encantou com as roupas novas que lhe deram.
Pois, convém saber, que Lili quase nem tinha roupas, apenas as necessárias para o uso diário. Gastos desnecessários eram banidos porque o dinheiro era fruto do suor e do cansaço da lida.
Ao anoitecer, os ''convidados''foram se despedindo da mãe de Lili para voltar às suas casas.
Lili foi para seu quarto e lá guardou seus presentes, organizou as roupas e ficou só com uma boneca para brincar.
Estava lembrando de sua alegria em face aos acontecimentos daquele dia de aniversário. O primeiro aniversário com presentes e com amiguinhas para brincar.
Com surpresa, escutou pesados passos se aproximando. Viu sua mãe entrar, bruscamente, e arrastá-la pelos cabelos, sem conter a raiva que lhe acometera.
Sua mãe gritou com ela, disse-lhe que era uma criança horrível e sem respeito pelos pais. 
Lili não reagiu, não discutiu com a mãe. E depois de apanhar muito, deitou em sua cama, aos prantos.
Mas, no dia seguinte, Lili nem mais lembrava como tinha sido a surra. Lili tinha ficado muito alegre no dia de seu aniversário. 
O que significava apanhar e que importância isso tinha, se os presentes que ganhara lhe encheram os olhos e acalentaram a alma?
Como não ficaria alegre com a presença das amigas que compareceram em sua casa? E que aceitaram o convite?
Mas quando cresceu, lembrou muitas vezes desse dia. Só que agora tinha juízo crítico e aquela mágoa ficou em sua alma para sempre.
E como tomei conhecimento desse fato? 
Bem, a criança de ontem, hoje é mãe de família, com filhos criados e minha colega de hidro-ginástica.
Lili e eu nos conhecemos na academia esportiva e frequentamos as aulas no mesmo horário. 
Descobri o seu dia de aniversário no Facebook e passei uma mensagem.
Quando fui abraçá-la, na chegada para mais uma aula, no dia seguinte ao do aniversário, ela falou:
- Detesto o dia de meu aniversário e na minha casa todos sabem disso e não faço festa.
Mas como eu ia imaginar, sem conhecer os motivos?
  Resolvi criar coragem e perguntei-lhe:
- Podes dizer-me o que aconteceu contigo? 
- Sim, posso contar o meu trauma de infância.
E foi assim que tomei consciência dessa triste história.
Ela tem, ao mesmo tempo, momentos tristes e momentos alegres.
Fiquei com uma frase que ouvi, durante esse relato:
- Aquele foi um dia feliz porque ganhei beijos, abraços e presentes e porque vivi intensamente o dia de meu aniversário. 
Mas, infelizmente meu pensamento, não raro, se entristece.
E a razão disso é saber que ainda existem tantas ''Lilis'' esquecidas nessa longa jornada da vida!



                                   KATIA CHIAPPINI

5 comentários:

  1. Respostas
    1. Katia, você em certo pontos, é muito parecida comigo.Explico: poucos tem a sorte de esbarrar com uma história tão sensível como esta. Também raros tem o talento de descreve-la quase como se fizesse parte da mesma.
      Eu também tenho passagens ou relatos impressionantes. Alguns no cérebro, outros no papel.
      Somos pré destinados.
      Parabéns.
      Você tem luz própria.

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    2. Querida Eleasse,obrigada pelo incentivo.Então, sugiro que passe os relatos para o papel quando estiverem no ponto certo.

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