Aquarela de poesias

Aquarela de poesias
Poesias para você

domingo, 19 de outubro de 2014

MINHA ÁRVORE

         
                             MINHA ÁRVORE
              

Lembrei-me de um dito popular que diz que devemos ter um filho, escrever um livro e plantar uma árvore, para ser feliz.
Mas a árvore eu não plantei. Entretanto, adotei uma, em especial, que se situa na praça central de Torres, Rio Grande do Sul.
É nessa praça que o movimento toma forma.
No horário da manhã já acolhe, sob sua sombra, as senhoras idosas que se acomodam nos bancos à procura dos raios de sol que se infiltram entre os galhos da árvore.
No horário da tarde temos a presença da criançada e dos jogos de bola. Começam a chegar os vendedores de pipoca, algodão doce, churros, crepe e cachorro quente. As mães ocupam os bancos sob a árvore, e não raro, observam a gurizada balançando os galhos da árvore para que soltem a bola que se prendeu. Ou os balões coloridos ou aviões de brinquedo que somem entre os ramos.
As mães levam o chimarrão para a praça e as vovós levam seus trabalhos manuais. Os pequenos se equilibram em seus patinetes e os maiores pedalam ao redor da praça com suas bicicletas.
No horário noturno a árvore recebe o clarão da luz da lua e dos postes de iluminação de arquitetura antiga e, por isso, originais.
A praça fica repleta de artistas de rua, artistas de circo com seus malabares e os mágicos que fazem a alegria da gurizada.As apresentações de capoeira são permanentes. Caricaturistas e tatuadores completam o ambiente festivo.
E os artistas bolivianos com suas flautas se apresentam todos os anos bem como o violinista com suas áreas clássicas.
E a árvore, personagem mais importante da paisagem, assiste a tudo de camarote e cada vez fica mais viçosa.E nem se importa de ver a gurizada escalando seus galhos, subindo e descendo para brincar.
A brisa do mar se faz presente e torna a noite perfeita.
E a árvore de minha infância recebe os passarinhos em seus galhos, torna-se a cada ano mais frondosa. E conserva intacto o largo tronco que divide os galhos para todos os lados, abraçando a praça e convidando os transeuntes a observar a natureza. E a descansar sob os bancos que ficam à espera das famílias.
Mas essa árvore se reveste de importância ímpar quando me lembro de que ela foi a companheira preferida de minha mãe por ocasião de sua velhice e doença degenerativa: o mal de Alzheimer.
Tudo começou numa certa manhã quando tive a ideia de levar mamãe para a praça. Providenciei seus pertences e os coloquei numa sacola. Levei cadeiras, toalha, lenços, lanche, água e cafezinho na garrafa térmica. E me fiz acompanhar por uma atendente de enfermagem que já me esperava todos os verões.
Providenciei um táxi para cumprir o horário da ida e da vinda, previamente acertado.
Nessa ocasião mamãe não falava mais e nem reconhecia pessoa alguma.
Ao chegar na praça com ela, percebi que sorria para os cães, abanava para as crianças pequenas, apontava o dedo em direção aos pássaros nos fios de luz. Era só olhar para sua fisionomia para perceber a transformação em seu semblante e o bem que o contato com a natureza lhe proporcionava. E isso porque raramente saía de casa.
E a árvore passou a ser seu ponto de referência e o único lugar onde queria estar: seu pouso preferido na praia de Torres, onde veraneávamos.
Desde o primeiro dia mamãe se mostrou deslumbrada com o movimento ao seu redor e queria voltar todas as tardes à praça.
Eu precisava inventar uma desculpa para não levá-la todos os dias. Dizer que o tempo estava para chuva ou que a ventania estava varrendo tudo e levantando poeira. Mas íamos três vezes na semana e estendíamos o passeio pelas tardes a fora. Mesmo porque minha mãe já acordava olhando pela janela da sala ou apontando para a sacada que dava para a rua.
Mamãe saía de casa com sua bengala sob um dos braços e o meu braço a apoiava do outro lado. Era preciso dar mais alguns passos, apesar de irmos de táxi. Isso porque eu a levava ao banheiro do restaurante mais próximo, onde a dona já ia preparando o café de mamãe como era de seu gosto. E até que foi possível repeti esse ritual que a fazia feliz.
Agora que mamãe não está mais comigo, ficou a presença dela sob a sombra da árvore que a acolheu. E quando estou em Torres vou á praça e sento nos mesmos bancos em que ficava com mamãe e observo toda a paisagem. E uma saudade me invade ao mesmo tempo que a consciência me diz que fiz o melhor por ela, enquanto viveu.
E nem preciso me preocupar em saber quantos anos mais a árvore vai estar lá. Mas sei que é uma árvore centenária. E mesmo, que por alguma razão, precisasse ser abatida, nunca estaria longe de meu pensamento. Eu não plantei a árvore mas quando a adotei era criança ainda, e levava um livro para a pracinha, subia nela e me acomodava num dos galhos para ler. E minha seria a primeira assinatura contra sua retirada do local caso a prefeitura quisesse removê-la. Gravei a imagem da árvore ligada à imagem de minha mãe, de meus filhos e netos.
Mas a imagem que me comove e da qual não me separo é aquela que me reporta ao sorriso de mamãe ao sentir que estava chegando na praça, mais uma vez. É como se sentisse o aperto de sua mão e seus lindos olhos verdes me fixando o olhar.
E desde que não mais a tenho comigo, lembro dos verões a seu lado e da árvore da praça central de Torres. Essa que lhe serviu de abrigo e foi seu único lazer, ao final da vida.
Amo essa árvore frondosa cuja verde roupagem competia em beleza com os verdes olhos de minha mãe.  Olhos que espelhavam sua alma feliz, contrariando todas as circunstâncias de sua doença tão triste como fatal.
E dentro desse quadro desolador para uma filha, principalmente, há
uma certeza que tenho como fato incontestável:
-Fiz de minha mãe uma pessoa feliz, enquanto Deus me permitiu.
E fiz daquela árvore um motivo de prece e de agradecimento. E pedia aos céus que a conservasse imponente e firme no mesmo lugar, para que eu pudesse proporcionar esses momentos de prazer e de lazer à mamãe.
A árvore ainda me espera todos os verões. E vou ficar perto dela, sob sua sombra, ao entardecer, enquanto eu viver.

                                     KATIA CHIAPPINI 







Um comentário:

  1. Viva a frondosa árvore da praça central de Torres que guarda com ela a minha infância,juventude e idade adulta.

    ResponderExcluir