Aquarela de poesias

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Poesias para você

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

SAUDADE DE MAMÃE

         SAUDADE DE MINHA MÃE

               ( emoldurando lembranças )

Quando lembro de mamãe, sinto que está em paz, pois, em vida, foi atendida em suas necessidades, quando precisou, desde sua idade avançada.

Aos 90 anos estava com o mal de Alzheimer, que começara uns seis anos antes, e exigia todo empenho e carinho de seus filhos: meu irmão e eu.

Mamãe precisava de cuidados contínuos. Às vezes batia na porta da rua, bem contrariada, ao encontrá-la fechada com as chaves.

Outras vezes dizia para mandar embora as atendentes porque ela era a dona da casa . Estava se sentindo vigiada e confusa. Muitas vezes me perguntou o que tanta gente estava fazendo, todo o dia, na casa.  E, não raro, fazia sinal para que fossem embora.

Um dia me chamou para perto dela e falou:

- Sabe ,filha, estão tirando o meu dinheiro. Estou perdendo tudo. Então, tratei de tirar um extrato bancário e mostrar a ela que tudo estava guardado no banco e que não se preocupasse.

Nos domingos de manhã, eu colocava mamãe na frente da televisão . Percebi que, mesmo quando já nem falava, prestava um pouco de atenção aos  programas de Inezita Barroso e de Rolando Boldrin. Apenas sorria, escutando as canções, muitas das quais ouvíamos em São Paulo, quando lá moramos, porque meu pai foi transferido a trabalho. Canções tais como; Chuá ,Chuá, Tristeza do Jeca, Chico Mineiro, Cabocla Teresa, Luar do Sertão, Beijinho Doce, Lua Branca

A casa de mamãe tinha dois andares e uma escada para transitar entre um e outro. Na parte de cima estavam os quartos. Mas passei a cama de mamãe para o andar de baixo e improvisamos um quarto. E trouxemos um roupeiro da parte de cima .Nessa ocasião, mamãe repetia inúmeras vezes, dia após dia: ''não quero ninguém remexendo minhas gavetas, ninguém subindo as escadas, viu Katia?''

Era preciso ter paciência com ela e ir lidando com seu temperamento alterado, mas previsível, sem contrariá-la, frontalmente.

Mamãe ficava tomando o sol da manhã na frente da casa e as vizinhas lhe dirigiam a palavra quando por ali passavam. Entre elas a colega de magistério de nome Zulmira. Eu ficava com mamãe e conversava bastante recordando sua infância numa estância, numa casa grande, onde as lembranças eram as melhores que armazenara.

À noite, entre 20 e 22 horas, eu abria a porta da garagem, colocava nossas cadeiras na frente da casa e apontava para o céu para que mamãe olhasse a lua e as estrelas. Percebi que ela adorava ficar ali e observar as árvores dos canteiros centrais da avenida, as flores e a grama bem aparada e o movimento dos transeuntes a passear com seus cães.

 E era difícil levá-la para dentro novamente. Ela apertava minha mão para que eu não empurrasse a cadeira para o interior da casa.

Havia a hora da história, ao entardecer. Eu contava para mamãe os fatos de sua convivência com pais e irmãos, E falava um pouco a respeito de cada membro da família e dizia que todos estavam bem e que eu sempre mandava notícias.

Ela apenas sorria, Não sei se me entendia, mas ficava com um semblante tranquilo e em paz.

Quando percebia que mamãe  estava agitada e com a voz, já quase aos gritos, descobri que um abraço apertado e um carinho em seu rosto, serviam de bálsamo e a traziam de volta ao seu eixo.

Meu irmão dividia as responsabilidades comigo e nos alternávamos nas visitas. Assim, todos os dias, marcávamos presença e conversávamos com as atendentes de mamãe para nos certificar de que tudo estava sendo feito a tempo e hora.

Eu dormia na casa. E o fiz durante dois anos e 6 meses. Mas mamãe ia seguido ao banheiro ou acordava e queria comer uma banana, na madrugada. E, meu sono era muito leve e nunca contínuo, porque mamãe roncava ou se mexia muito na cama. As minhas olheiras eram bem visíveis. Uma noite, quando mamãe se apoiava em mim, se desequilibrou e caiu sobre meu braço. Fraturei o pulso e usei gesso por 40 dias. Mas ela nada sofreu, só levei um grande e terrível susto.

Depois disso, coloquei uma atendente no turno da noite e voltei a dormir em minha casa.

Num verão, minha filha deixou um gatinho no pátio interno da casa de mamãe. E  pediu para uma das atendentes cuidar dele, enquanto íamos só por alguns dias para a praia, já que meu irmão estaria na cidade.

Nos despedimos de mamãe e, nesse dia, trouxe minha filha e meus dois netos maiores para vê-la. Colocamos o gato no colo de mamãe. Ela ficou feliz e acariciava o animalzinho. Então, peguei os cálices, servi um gole de champanhe e erguemos os copos para brindar esse encontro.

Mas tivemos uma surpresa incrível! Minha mãe ergueu o copo com uma das mãos e ergueu o gato com a outra, apertando o pescoço do pobre bicho. E colocou o focinho do gato dentro do cálice servido, na intenção de que participasse do brinde, O gato deu um pulo gigante e se livrou da mão de mamãe. Sumiu na casa e não apareceu mais . Mas ela continuou a sorrir, indiferente ao fato, distraída e com o olhar indefinido. 

Ela reclamava de nossa ausência. Mas não lembrava que comparecíamos todos os dias e que ficávamos sentados bem próximos dela.

Enquanto viveu, embora não soubesse expressar seus sentimentos com abraços e beijos, dos quais senti falta, soube ser atenta aos nossos momentos e necessidades. E algumas lembranças me emocionam.

Quando me apresentei , ao piano, num hotel 5 estrelas, de minha cidade, ela me enviou um ramalhete de rosas vermelhas e um lindo cartão com felicitações. Em outra ocasião, me apresentei num restaurante, mas não percebi que era um pouco distante e sugeri que mamãe fosse caminhando para se exercitar.

Depois descobri que ela caminhou 10 quadras grandes até o local, Mas chegou feliz, nada reclamou. Reservei um lugar para ela ,junto às minhas amigas. Ela ficou encantada e se sentiu à vontade com a companhia e a atenção que lhe dedicaram.

Quando fazia compras, costumava escolher uma vendedora para atendê-la e, ao retornar à loja, escolhia sempre a mesma pessoa. E nos orientava a fazer o mesmo para que a vendedora recebesse um acréscimo em seu salário, como gratificação. 

Nesse momento do relato, mamãe já se encontra noutro plano. E quando partiu. há 10 anos atrás, foi  em paz, exibindo o rosto tranquilo e lindo de sempre.

Fiz minhas preces por ela, especialmente, ontem, no dia em que completaria mais um ano de vida ,se  estivesse viva, exatamente 100 anos de idade. E sinto sua presença todos os dias.

E, tenho a consciência tranquila por ter lhe dado assistência, carinho e atenção que mereceu ,cumprindo, nada mais, do que com minha obrigação filial.

Esses acontecimentos e vivências junto à mamãe, povoam meus dias. Um misto de saudade e nostalgia se fazem presentes, Uma lembrança eterna, feliz e única, que perpetua e serve de bálsamo nas horas difíceis da jornada.

Obrigada, minha mãe Eulália Chiappini, de saudosa memória!

Sou e serei sua eterna admiradora: 

- Sou sua filha Katia.








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