Aquarela de poesias

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Poesias para você

quinta-feira, 3 de maio de 2012

O TREM

                  A VIAGEM DE TREM.

Meus pais me permitiam visitar meus avós, em Santana do Livramento ,onde eu passava as férias de inverno, junto aos queridos primos.
Aos quinze anos de idade ia sozinha de trem e me acomodava no vagão leito porque viajava durante a noite
Em certa ocasião voltei no trem comum onde deveria permanecer na poltrona durante todo o trajeto.
Quando eu voltava de Livramennto para Porto Alegre minha vó tinha por hábito preparar um bom lanche de viagem e se esmerava nessa tarefa.
Dessa vez quando vovó me perguntou o que eu gostaria de levar, agradeci seu empenho mas recusei. Era uma adolescente tímida e pensei em não chamar atenção portando sacolas avulsas além de malas.
No dia da viagem que me traria a minha cidade, no final das férias,embarquei no trem procurando meu lugar junto a janela. Do lado de minha poltrona sentou um senhor sério, tranquilo e não muito idoso.
Era um dia de muito frio em pleno mês de julho. Pensei estar bem agasalhada mas logo me dei conta que não era o suficiente para a ocasião.Um vento frio estava gelando minhas pernas e pés e, como se não bastasse o desconforto, comecei a sentir o estômago vazio.
Da janela do trem avistei extensões de campo e, de vez em quando, se via um casebre, animais magros e gente descalça. Essa era uma visão que se repetia na zona da fronteira riograndense, onde as pedras e irregularidades do campo não permitiam que se cultivassem hortaliças ou árvores frutíferas. Restava ao homem do campo viver da criação de gado de onde tirava o sustento. Interrompi meus devaneios ao ouvir o barulho do papel de embrulho que se abria bem próximo a mim.
Tratava-se do farnel de meu companheiro de viagem que surgia , pouco a pouco,a meus olhos ávidos,
deixando à vista uma galinha na farofa, de aroma irresistível, o que intensificou minha fome e aumentou a salivação. O homem se virou em minha direção e indagou:
-Quer dividir comigo esse lanche?
-Vou aceitar.
-Sirva-se, senhorita bom apetite.
E assim dizendo  esperou que eu me servisse, o que fiz, retirando então as duas coxas e sobrecoxas da galinha, esquecendo as boas maneiras e a timidez. O petisco estava saboroso e mastiguei com vagar para tentar prolongar o tempo da refeição.
Mas havia um outro problema em pauta:
-Como faria para não continuar sentindo frio?
Abri o jornal após lanchar  e desejei que a leitura me desviasse a atenção dos pés e mãos gelados, assim como da ponta do nariz .Aproveitei e passei os olhos no horóscopo e estava escrito que teria êxito em todas as iniciativas de meu dia.
Estava absorta lendo uma crônica quando olhei para o lado, por acaso, percebendo que o homem dormia a sono solto, tendo sobre seus joelhos, um cobertor bem grosso, de pura lã.
Seguindo a idéia que tomou conta de mim, tratei de transformá-la em ação.
Foi então que ergui  com muito cuidado, com gestos lentos e cuidadosos, o cobertor que joguei sobre meu corpo,prendendo bem as pontas nas costas. Sentindo-me confortável passei do sono ao sonho e perdi a noção do tempo.
Mas , em dado momento, ouvi um ruído do meu lado o que me despertou e me deixou em prontidão.
Agindo com presteza, tratei de recolocar a coberta em meu companheiro, que já estava se espreguiçando.
Este acordou a tempo de me ver, exatamente, quando tentava devolver-lhe o que lhe pertencia.
Com o susto e com a pressa , que não é boa conselheira, derrubei a coberta ao chão ao tentar jogá-la sobre seus joelhos.
Respirei fundo e, antecipando-me a sua provável voz de censura, ,fixei meus olhos nos dele e disse-lhe:
-Seu cobertor estava caindo porque o senhor se revirou durante o sono. E continuei a falar, sem esperar sua intervenção:
-Estou tentando cobrí-lo novamente e espero que, bem aquecido, possa voltar a dormir.
-Obrigada, senhorita, quanta gentileza!
-Não me agradeça, senhor ! certamente, faria o mesmo por mim.
O homem voltou a virar para o lado, acomodou-se, espreguiçou  levemente e adormeceu.
Eu me sentia descansada, aquecida, renovada.
Apreciei a paisagem que se descortinava de minha janela. Agora , já se vislumbrava a cidade imponente, com suas construções, fumaça, nuvens, serros e pontes.
Cheguei ao meu destino e me despedi do companheiro de viagem com um aperto de mão.
No trajeto da estação até minha casa, pensei no prazer que teria  ao saborear a refeição com a qual minha mãe me esperava. Antecipei a visão do meu corpo ,em minha própria cama, quente e acolhedora, com lençóis perfumados e alvos.
E agora, com meu próprio cobertor, acalentaria meus sonhos e teria o merecido descanso.

KATIA


Email:k.treen2@hotmail.com

Um comentário:

  1. Minhas viagens de trem a Livramento: doces lembranças da estância, dos primos, dos tios,das cavalgadas, do churrasco, do mate doce, das madrugadas, do pôr do sol nas campinas.

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