Aquarela de poesias

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Poesias para você

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

O BOM SAMARITANO;VOVÔ BICA

O BOM SAMARITANO:

VOVÔ BICA DE ALMEIDA


O BOM SAMARITANO:
Clementino Bica de Almeida: meu avô.
Meu querido avô, Clementino Bica de Almeida foi um homem caridoso, temente a Deus, acolhedor e humanitário.
Vovô era farmacêutico e amava sua profissão. Trabalhou até o fim e faleceu atendendo seus clientes, nos balcões da farmácia.
O laboratório era o setor vital de uma farmacologia manipulada na hora, o que ocorria com boa parte dos receituários médicos.
Além das fórmulas medicinais atendendo ao receituário do médico, vovô fabricava cremes, pomadas, xarope para bronquite asmática, talcos para curar alergia de pele e outras medicações feitas no laboratório. Os laboratoristas práticos iniciavam seu trabalho lavando vidros para as poções, fechando as capsulas de medicamentos, colocando os rótulos. Os rótulos continham instruções sobre o modo de tomar, a receita escrita, o nome do doente, o nome do médico. Tudo era executado com destreza pelos estagiários, com a orientação de vovô Bica.
A farmácia se tornou um ponto de referência em Santana do Livramento, Rio Grande do Sul.
Mas essa notoriedade se deve ao atendimento dado aos clientes.
Vovô nunca mandava ninguém embora sem atender às suas necessidades.
Conforme a hora já se sabia quem estava batendo na porta da casa, sempre aberta durante o dia e só encostada durante a noite.
É que haviam os clientes habituais e clientes de horas incertas, como aqueles que buscavam por uma chupeta para o nenê dormir.
A farmácia e o laboratório ficavam na peça da frente da casa e a família ocupava os demais espaços.
As refeições eram entrecortadas. Vovó servia a sopa e logo se ouvia a porta bater. Vovô ia atender e todos esperávamos que ele voltasse para que, só então, vovó voltasse a servir o prato principal com os devidos complementos.
A farmácia fechava mas vovô considerava ser sua obrigação seguir atendendo a quem dele precisasse, a qualquer momento.
Vovô costumava dizer que a doença não escolhe hora e jamais reclamava do fato de interromper refeições ou suas horas de sono, para prestar um atendimento.
E quando perguntávamos a ele o que as pessoas compravam durante a noite, ele dizia:
- Às vezes, um comprimido para dor de cabeça ou enxaqueca, um laxante, um antiácido.
A farmácia de Seu Bica era ponto de reuniões de amigos e a ''charla'' corria solta em torno da política, da economia, da situação da bolsa de valores. das ações da Vale do Rio Doce. O mate amargo era compartilhado e presença necessária na fronteira riograndense.
Os donos de estância conversavam sobre o preço da lã, da carne, sobre as exposições de gado. Lamentavam a geada ou a seca que prejudicava o pasto. Logo depois, largavam com vovô sua lista de remédios de uso veterinário e quando voltavam para suas fazendas, recolhiam os volumes na farmácia.
Vovô Bica não cobrava os medicamentos de quem não tinha condições de pagar. Ainda anotava as compras feitas, na caderneta dos que compravam fiado.Mas, o pagamento não se sabia se seria feito ou se ficaria ali, anotado, indefinidamente.
Vovô fazia lanches e distribuía ao redor da quadra para cada mendigo que encontrava em seu caminho. E esse comportamento era parte de sua rotina. Em suas andanças, se encontrasse mais um maltrapilho, se prontificava a fornecer alguma medicação que, por ventura, lhe faltasse.
Nas noites frias de inverno, vovô deixava a população ficar sentada, preenchendo os degraus da escada da casa, enquanto ia atendendo, um a um, com toda paciência, e aviando cada receita. Antes deles eram atendidas as pessoas que precisavam de remédios não manipulados e disponíveis nas prateleiras.
Esses atendimentos iam se seguindo pela madrugada e aos que não podiam pagar vovô dizia;
- Vai curar teu filho, depois você me paga.
Nunca se soube de algum roubo na casa de vovô. Se roubassem e fossem presos, como iriam adquirir os remédios para a família, de graça?
Apenas um roubo ocorreu, numa madrugada de Carnaval.
Um grupo de músicos que acompanhava uma cantora, descia pelo Hotel dos Viajantes e descobriu , na janela da casa de vovô, uma panelinha velha com comida. Era uma cortesia de minha avó que deixava a refeição para que o guarda-noturno a recolhesse.
Por brincadeira, molecagem ou fome, se serviram da comida e aproveitaram a panela para fazer uma batucada, junto ao bloco carnavalesco que desfilava pelas ruas.
Nessa época as pessoas contraíam tifo e morriam desse mal.
Vovô mandava buscar vacinas no quartel e ia vacinando, gratuitamente, ali em seu laboratório, todo voluntário que se apresentasse. Começava pelo pessoal da casa, empregados, funcionários e vizinhança.
Esse atendimento foi feito durante muitos anos, até que criaram um Posto de Saúde na cidade.
Vovô Bica era brincalhão, risonho, cavalheiro e incapaz de uma grosseria ou expressão áspera.
Era conhecido em toda cidade. E, ao sair na rua, precisava parar para falar com as pessoas que dele se aproximavam com um gentil cumprimento.
Vovô amou sua profissão e, principalmente, amou as pessoas.
Não vou dizer que fez dela um sacerdócio porque sacerdócio foi sua própria vida.
Só o sacerdócio seria a mola propulsora para fazer de meu avô um ser que exercitou o respeito ao próximo. Soube ser totalmente despojado dos bens materiais e dedicado ao semelhante.
E assim procedendo, encontrou a autêntica alegria de viver.
KATIA CHIAPPINI
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Carmem Marisa, Neiva Chiappini de Ubal e outras 6 pessoas
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