inspirações: QUEERIDA TIA BEBÊ

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

QUEERIDA TIA BEBÊ

QUERIDA TIA BEBÊ

MINHA QUERIDA TIA BEBÊ: TIA CLEM.

Certa manhã, minha tia e eu preparamos o mate para sorver enquanto a brisa da manhã batia em nosso rosto.
Na estância, o pessoal acordava bem cedo para iniciar as atividades caseiras. 
Minha tia, com esmero, deixava  a mesa pronta para o café da manhã, com requinte e fartura.
Ela era dessas mulheres completas nas lides domésticas, além de possuir habilidades manuais que se distribuiam entre as costuras, fabricação de doces caseiros, requeijão, pães e bolos.
Costumávamos  colocar nossas cadeiras na frente da casa, cuja paisagem descortinava a beleza  dos campos sem fim.
Titia me oferecia o primeiro gole de chimarrão e parecia feliz.
Meu tio Léo, seu marido, já se preparava para acompanhar os peões  nas lides do campo.
Entre uma conversa matinal e outra, perguntei para titia se ela se sentia bem permanecendo na casa da estância e se ocupando da rotina traçada. 
Ela respondeu que gostava de ser mimada pelo marido e filhos e de estar presente no lar para equilibrar as tarefas, regar suas plantas, cavalgar e colher os figos para fazer doce, entre outros afazeres.
E eu, quase brincando, perguntava:
-Mas titia, a senhora é mantida pelo tio Léo?
E ela:
 Porque não seria?
Percebi que ela gostava de estar em família, de resolver qualquer problema doméstico, de ter um horário para tirar sesta, após o almoço. 
Embora tivesse uma vida estável e sem problemas financeiros, era uma mulher muito simples, risonha e encantadora.
Quando fez 25 anos de casada, titio quis dar a ela um colar de pérolas legítimas e ela nem se interessou em falar sobre o assunto , dizendo que ele não se preocupasse com isso. Disse que não gastasse tanto com ela e assim falando, sumiu  para outro aposento da casa.
Meu tio não conseguiu que ela fosse até a joalheria escolher a jóia.
Mesmo assim, ele fez questão de dar-lhe o lindo adereço para marcar a data.
Titia passava um tempo na casa da cidade onde meu tio tratava de seus afazeres habituais, assistia os  cursos inerentes  às  lides campestres ministrados na associaçao rural, da qual foi  presidente.
Titia tinha completado o curso de Magistério e o curso superior  da Escola de Belas Artes.
Ela exibia com prazer as suas telas  à  óleo. 
Mas o seu prazer era permanecer na estância com tantos afazeres que nem seria viável desenvolver algum trabalho fora de casa.
Lá, rodeada pela natureza, sentia -se num reino encantado.
Não se esquecia de colocar água adocicada para dar de beber ao beija-flor, figura assídua, ao redor da casa.
Os cães acompanhavam titia no campo e a escolheram como sua líder.
A alegria de titia era reunir filhos e sobrinhos durante as férias.
Inventava atividades prazerosas para reunir a criançada, tais como, acampar no mato, andar de canoa, promover pescaria e cavalgadas inesquecíveis.
Esse era o prazer de titia e nada lhe faltava.
Nunca pensou em se desligar do lar , onde era a rainha absoluta e a mais bela prenda daquele rincão.
Ao entardecer , o som do acordeon se fazia ouvir além dos pagos da Estância São  Miguel do Sarandi.
Titia confeccionava  as bombachas e as campeiras de titio.
O casal parecia se completar. 
Se meu tio a convidava para um passeio no campo, ela deixava o que estivesse fazendo e o acompanhava a tempo e hora, sem pestanejar.
Fazíamos churrasco ao fogo de chão e os violeiros acompanhavam os declamadores de plantão.
Minha tia não se deixava levar por discussões políticas, nem àquelas que se referiam à  libertação da mulher.
Seu mundo era o convívio familiar emoldurado por uma natureza pródiga em beleza e magia.
Mas, titia era uma mulher com habilidades de raciocínio e meu tio Léo  nem teria a pretensão de dar a última palavra.
Titia era meiga, carinhosa, muito  companheira  e boa conselheira.
Mas era firme em suas convicções  e um exemplo a ser seguido.
Hoje, já está em outro plano, como meu tio Léo.
Os herdeiros seguem honrando a memória dos patrões queridos.  E outros descendentes, exercendo as funções de veterinários, seguem cuidando do campo e do gado com a mesma dedicação.
Minha tia Bebê  me levou para a Estância São Miguel do Sarandi, pela primeira vez, quando eu tinha apenas 7 anos de idade.
Cheguei à  noite e logo fui colocar meu pijama de dormir. 
Titia disse:
- Amanhã,  vamos passear pela região e podemos  andar à  cavalo.
Eu sempre morei em grandes centros e nem conhecia a zona dos campos sem fim.
Acordei com titia me chamando. 
Ela abriu a porta da casa e me levou para descobrir esse universo peculiar.
Eu, espantada com o que meus olhos descortinavam, olhei para titia e disse:
- Bah! Que pátio grande!