Aquarela de poesias

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Poesias para você

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

REFLEXÕES: SENTIMENTOS REPRIMIDOS

REFLEXÕES:

SENTIMENTOS REPRIMIDOS 


SENTIMENTOS REPRIMIDOS
Recordo-me. quando era criança, que eu observava os meus avós sempre muito amorosos e confidentes, conversando entre um gole e outro de chimarrão, comentando às refeições, sobre seu roteiro diário e as peculiaridades do mesmo.
Cresci frequentando a casa de meus avós e percebendo, eu e meus primos, que não éramos surpreendidos por um abraço mais apertado, nem um beijo caloroso, nem um gesto de maior intimidade.
Minha mãe e meu pai também não costumavam demonstrar um carinho especial em seus gestos, mas eram muito unidos e cúmplices em tudo. E minha mãe me confessou,em muitos momentos, que não havia ninguém tão bondoso e compreensivo como papai.
Os padrões de comportamento eram tradicionalmente rígidos.
O único casal da família que se deixava envolver por um beijo fora de hora, diante de quem quisesse presenciar, eram meus tios Léo e Bebê, meus grandes amigos de uma vida inteira.
E meu tio Léo precisou de tratamento, em certa ocasião, por conta de um problema neurológico que o acometeu.Fui vê-lo na clínica em que se internara. Sorriu, respondeu as minhas perguntas, mas não sabia quem eu era.
Falou-me o médico que ele só reconhecia e chamava, a todo momento, pela minha tia Bebê, sua querida esposa.
Os sentimentos de apreço entre pais e filhos existiam.
Mas eram demonstrados em ações e palavras, em pronto atendimento às necessidades do dia a dia.
A grande preocupação era relativa ao bom comportamento que incluía a obediência aos pais e o respeito aos ordenamentos propostos. E, tinha papel relevante, a preocupação com os estudos e o trabalho.
Ao mesmo tempo, como meu pai morava pouco tempo em cada lugar por exigência do trabalho, eu fiquei no internato um bom período de minha vida. Lembro-me de minha mãe falando que a moça precisava ser prendada para encontrar um ''bom marido'' e não decepcionar como mulher e mãe.
No colégio de freiras a disciplina era rígida e ninguém queria se expor ao vexame de ser expulsa das aulas ou de ser ameaçada pela presença dos pais na escola.Esses eram chamados quando éramos rebeldes,, maus alunos, ou contestadores das ordens estabelecidas.
Mas eu sempre soube que era sensível, amiga dos meus colegas, conselheira. Ensinava, se me solicitassem, a fazer o tema de casa, ao invés de ir para o recreio.
Meu relacionamento com as freiras era tranquilo.
Descobri que se fosse cantar no coro da igreja, receberia uma taça de vinho com gemada, porque servia para fortalecer a voz.
E o fato de cantar os hinos tornava a missa menos longa e bem mais prazerosa.
No internato iniciei os estudos de piano. Quando terminava os temas já me dirigia para o treinamento das escalas e as horas passavam sem sentir.
Percebi que minhas redações eram elogiadas e comecei a escrever fatos do cotidiano que deixava numa gaveta, sem dar maior importância.
E nos eventos relevantes eu era convidada a declamar um poema, que deveria decorar e preparar com afinco.
Na literatura e na música encontrei meu eixo nessa existência.
Apesar disso, era uma pessoa tímida.
E não desenvolvi esse lado mais solto de abraçar e beijar, pois, em casa, com um convívio menor com meus pais, não houve tempo ou não era habitual expandir os sentimentos de um modo natural.
Casei-me e tive meus filhos amados.
Nada faltava quanto ao atendimento das necessidades.
Eu os levava na pracinha, contava história antes de dormirem, brincava de boneca, de casinha, de carrinho e de montar quebra-cabeça.
Mas não era aquela mãe que dava um colo fora de hora, que abraçava e beijava, que demonstrava esse carinho que sentia.
Certos gestos comuns entre pais e filhos como sentar no chão para conversar mais tempo, ou pedir para fazer confidências de qualquer ordem, ou ficar longo tempo abraçando para materializar esse afeto, não me eram pertinentes.
Mas, quero lembrar que há muitas formas de amor. E, apesar de me penitenciar por gestos que não tive, espero ter me doado de outras maneiras.
Lembro-me de um dia que cheguei de um piquenique, ao anoitecer, depois de ter ficado o dia fora de casa e fui dar um beijo em mamãe. Ela se esquivou, rápido, e disse:
- Filha, você não está voltando de uma viagem...
O modo como agimos está em concordância com o que nos foi exemplificado na infância. E repetimos essas ausências,esse mesmo padrão, inconscientemente, para com nossos filhos.
Esse sentimento reprimido pode causar tristeza nos filhos.
E, eles são nosso maior tesouro, bem como os netos que nos tiram do ostracismo ou de uma depressão já se delineando.
Há mães que se comunicam com os filhos, por exemplo, telefonando para eles todos os dias. Acho louvável, mas não tenho esse hábito.
Mas, em certa ocasião fui visitar uma de minha s filhas e ela veio muito faceira e me beijou e disse:
- Que bom que veio me ver, eu estava carente de mãe.
Eu nem perguntei nada a respeito, seguimos falando de outros assuntos, mas fiquei pensativa e lembrando dessa cena, com frequência.
O que me consola é que tenho uma excelente relação com filhos e netos, aos quais auxiliei nos estudos, quando precisaram
acompanhando seus passos e orientando sempre que necessário.
Todos seguiram suas andanças sem trilhar caminhos escusos e sem precisar se esconder de nada e de ninguém.
Mas tenho esse sentimento de ausência, embora presente.
Algo que poderia ter feito, em relação a demonstrar um carinho mais palpável, menos formal.para trazer espontaneidade nas relações familiares.
Demonstrações de carinho, como beijos e abraços, trazem mais alegria, descontração e intimidade.
Mas o desejo de ver cada um dos filhos e netos seguir na luta para encontrarem a si mesmos e sua verdade, me gratifica.
E uma de minhas netas disse, um dia, que me levaria frutas, todas as tardes, se eu precisasse ir para um asilo.
Fiquei com essas palavras bem presentes em meus dias, adorei o que escutei de uma menina ainda tão jovem.
E tenho como certo que se eu precisar dela, estará me levando bem mais do que frutas da estação.
Porque, será ela própria, fruto de uma formação que preza a consciência coletiva e o amparo aos avós quando em idade avançada. E dependentes de especial carinho, para que o sorriso não lhes abandone o semblante enrugado pelas marcas do tempo.
KATIA CHIAPPINI
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