Aquarela de poesias

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Poesias para você

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

DALVA

Conhecí uma senhora de 70 anos de idade, boa cultura e bem relacionada.
     Após casar seus filhos passou a morar sozinha num pequeno apartamento que lhe coubera por herança.
 Quando se ausentava da cidade ia para a casa da praia e os moradores do prédio notavam, de imediato, o corredor mais silencioso e o saguão do edifício com menos vida.
Ocupava-se com a leitura de jornais e de bons livros, caminhadas, aulas de ginástica e de afazeres domésticos.
Recebia em casa outras senhoras de meia idade para as quais servia um cafezinho guarnecido com iguarias especiais.
Conversei com Dalva, algumas vezes, porque morávamos na mesma rua e frequentávamos o mesmo supermercado.
Chamava a atenção a sua fisionomia risonha, os olhos vivos e a cordialidade: um forte traço de sua natureza.
Transcorridos dois anos, nos quais mudei de residência, não avistei Dalva.
  Certa ocasião, ao percorrer as ruas do centro da cidade de Porto Alegre, avistei uma multidão na Av. Salgado Filho , caminhando apressada, rumo ao seu destino.
Em meio a multidão, avistei, escorada num telefone público, uma senhora que se balançava de um lado para outro, dentro dele.
Olhei ao meu redor e percebí que nenhum dos transeuntes se dispôs a socorrê-la. Ao me aproximar, com surpresa, reconhecí Dalva a se debater, daquele jeito, jogando o corpo frágil e combalido, de um para outro lado do  orelhão.
Chamei um taxi e o motorista colocou Dalva, no banco trazeiro, a meu lado, rumando para o pronto socorro.
Lá chegando, uma equipe providenciou sua remoção imediata para o pronto atendimento.
Localizamos o telefone celular de Dalva, entre seus pertences, e através dele, avisamos um de seus filhos, sobre o ocorrido.
Logo que chegou até nós, explicamos os pormenores do quadro, principais sintomas observados, deixando aos seus cuidados as demais providências.
Agradecí ao taxista todo o empenho que tivera e pedí que me deixasse em casa.
  Uma
semana depois recebí o telefonema, emocionado, do filho de Dalva:
-Muito obrigada. Liguei para informar que se minha mãe não tivesse sido socorrida  a tempo, nos próximos quinze minutos viria a falecer.
E na semana seguinte a essa ligou novamente:
-Mamãe queria falar com a senhora, mas percebí que ao me observar ,quando fazia a ligação, ficou emocionada e isso me impede de passar o telefone para ela: correm lágrimas de seus olhos.
-Respondí:
-Diga-lhe que estou feliz por ter sido útil e que oportunamente farei uma visita para ela.
Completou ele:
-Está bem. Só queria lhe desejar a mesma felicidade que se apossou de mim quando ví minha mãe recuperar a saúde.
 E tomei a decisão de levá-la para morar comigo, o que já deveria ter feito, não fossem as preocupações diárias a me envolver , correndo contra o tempo , comprometendo o meu pensar.
  Fiquei a confabular que o destino nos prepara caminhos surpreendentes.
E algumas indagações me vieram à mente:
-E toda aquela multidão não teria visto o estado de Dalva, quase sem cor?
-E se eu tivesse seguido meu caminho indiferente?
-E o sentimento de amor ao próximo, será que consta só para ser lido nas escrituras sagradas?
-E para que se preocupar com uma pessoa que nem é de nossas relações de amizade?
- E o que justifica viver com uma viseira nos olhos?
  De qualquer forma tenho minha mãe, com idade avançada, e na mesma situação, gostaria que lhe fosse prestada essa assistência na hora certa.
E Dalva?
Está viva , morando com seu filho e netos.
Sinto que sempre fará parte de minhas lembranças mais significativas.
Deus lhe deu a vida e pediu minha singela colaboração para prolongá-la. E não satisfeito com isso, ainda me deixou uma interrogação a respeito do sentido da vida. E me fez concluir que amar ao próximo é a única maneira que temos de justificar nossa existência e o único motivo para poder afirmar:
-Eu sou
  Se soubermos interpretar os sinais que Deus nos manda, perceberemos que nossas obrigações seguem um rumo previsível e que se nos afastarmos delas, seremos pessoas pequenas, sombras ao longe a vagar, sem destino, nessa existência.
Sem riscos, sem acertos e erros, sem comprometimento, jamais seremos verdadeiros , e sim, meras criaturas de vidro, como o espelho retrovertido, que se destrói ao primeiro impacto. O mesmo impacto que se apossará de nossas almas quando nos surpreendermos pensando:
-Nada fui.
                                                                    
                                                                         

                                                                                            KATIA  

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