Aquarela de poesias

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Poesias para você

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

O saco esquecido

Estávamos, eu e minha mãe, na parada de ônibus, portando algumas sacolas com mantimentos ,após sair de um super-mercado. Como o ônibus estava demorando, descansei os braços colocando as sacolas no chão, próximas a meus pés. Ficamos observando o movimeto das pessoas e dos automóveis, ambos acelerados. Fizemos sinal ao avistar o ônibus que faria o nosso itinerário. Este parou e embarcamos : eu , mamãe e as sacolas com as compras. Logo que o ônibus deu a partida, olhei para o local onde estávamos, e, pela janela avistei outra sacola bem igual às nossas.
Constrangida ,dirigi-me ao motorista solicitando que parasse para resgatá-la. Enquanto falava percebí que todos os olhares estavam fixados em mim, pois ora gesticulava , ora argumentava para tentar sensibilizar o motorista. Tentei  fazê-lo entender que a idade avançada de minha mãe ,bem como o fato de ela não poder abrir mão dos gêneros alimentìcios, justificava por si só meu pedido.E, justamente aquelas sacolas continham alimentos próprios para quem sofre de diabetes, como aliás, era o seu caso.
Enfrentando todos os olhares dos passageiros voltados em minha direção, ouví a voz do motorista:
_Vá buscar sua sacola , mas não demore.
-Obrigada, respondí-lhe e acrescentei:
-A demora será mínima , mas perceba que tenho que voltar meia quadra a pé.
Enquanto voltava imaginei a extensão do contratempo,pois todos,à hora do almoço, têm pressa de chegar em casa, pois retornam para  completar um turno de 8 horas. Chegando ao lugar de onde partira, verifiquei na parada de ônibus a sacola intacta e no mesmo lugar.Mas ao deparar-me com o conteúdo da sacola, o qual, por acaso,  resolví conferir, levei um susto. Fiquei tensa, com as faces ruborizadas ,os nervos á flor da pele ,como se tivesse perdido a fala.
Mas controlei o desapontamento e voltei correndo ao ônibus, tentando aparentar calma.
O motorista, ao me ver subir, seguiu seu trajeto. Sentei-me entre calada e constrangida, ao lado de minha mãe, que a tudo observava sem esboçar movimento algum. Conservou-se calada como mera espectadora. Não demorei a perceber os cochichos a minha volta e a curiosidade das pessoas ,cada vez mais aguçada, em face dos últimos acontecimentos.
Lí o pensamento do motorista que parecia dizer:
-Onde está a sacola que a senhora foi buscar?
E antes que eu pudesse me certificar do absurdo da situação, ouví uma voz dizendo:
-Senhora , chegue mais perto , por favor?
Não tive alternativa a não ser a de me aproximar do motorista. Mas antes que me dirigisse a palavra para o inevitável interrogatório virei-me para os passageiros e falei:
-Desculpem -me todos vocês, tratava-se apenas de um saco de lixo.
Notando os olhares simultâneos em mim, retribuí com humildade o olhar, preparando-me para ouvir os impropérios ,que não vieram.
Eis que o meu pedido de desculpas, com olhar sereno ,contrito e assustado, ao mesmo tempo, provocou uma reação inesperada: uma gargalhada gratificante e deliciosa.
Fiquei surpresa e feliz com essa demonstração de aprêço o que me levou a rir muito e anular a tensão.
Aquelas pessoas fizeram deste o melhor momento de meu dia .
Lembrei-me de que ao ajudar minha mãe com as compras havia praticado uma boa ação.
Recebí-a de volta em forma de solidariedade, quando os passageiros do ônibus perceberam que não tive o propósito de prejudicá-los.
As pessoas foram chegando, cada qual a seu destino, não sem antes olhar para mim e para minha mãe, sorrindo e se despedindo ao descer.
E o saco de lixo, sem que imaginasse, foi o condutor desse gesto solidário e, em verdade, motivo de um belo exercício de cidadania.
Por vezes , surpreendo-me ao pensar , e com tristeza, que se estas nobres atitudes não mais existirem, nos tornaremos simples embrulho ou entulho sem nenhuma importância, e assim, ambulantes sem rumo .
E  seremos menos úteis e menos necessários  do que um simples saco de lixo.  

                                                                 katia/dezembro/2008        

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