Aquarela de poesias

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Poesias para você

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

O VIRA-LATA ROMÂNTICO

Um cachorrinho faceiro transitava junto aos andarilhos que se exercitavam,na Usina do Gasômetro .Acompanhava os desportistas e fazia o mesmo trajeto todos os dias.Como já
tinha percebido ,merecia o carinho das pessoas e se deixava acariciar sem objeções.
Certa ocasião o cão me acompanhou ,na ida e na volta,enquanto eu caminhava ,e só foi embora depois que entrei no edifício onde morava.E esse fato passou a se repetir todas as manhãs.
O cão era de boa aparência,andar  rápido,sem falhas no pelo e de olhar cândido.
Eu costumava entrar no mercadinho,antes de me dirigir ao edifício e o cão esperava na calçada.
Observei,certa manhã,que haviam afixado um cartaz bem na entrada do mercadinho e nele se lia:procura-se e gratifica-se.....
Tratava-se de uma cadelinha perdida e o cartaz trazia o número do telefone para contato
e estampava uma linda foto colorida do animalzinho.O vira -lata não só percebeu o cartaz como ficou encantado ,parado,em contemplação.Enquanto me aguardava sair do mercado,ali permaneceu estático.
Certa ocasião,deparei-me com outro cão se aproximando do mercado,onde o vira lata estava a me esperar,e ouvi seus latidos estridentes,compridos,cortando o ar e ecoando em forma de lamentos:os de meu amigo.Agora eram os dois cães a olhar a foto  e meu amiguinho parecia contrariado:queria exclusividade.
Nos dias chuvosos eu não ia caminhar mas tinha certeza de que encontraria meu amigo ,no primeiro dia de sol,no mesmo local a minha espera.
Eu estava encantada com o vira-lata e este com a visão da foto da cadelinha perdida.
Este triângulo onde se confundia  a amizade com companheirismo e onde,observadas as devidas proporções,se delineava um clima de romance,foi bruscamente rompido.
Ocorreu que ao voltarmos da caminhada,eu e meu cão,não conseguimos manter o comportamento habitual,ou seja ,eu compraria o pão e ele esperaria na calçada,em frente.
Mal coloquei os pés no mercadinho,meu sossego foi comprometido pelo rebuliço do vira -lata que corria pelo estabelecimento,latindo alto derrubando os gêneros,com expressâo de quase
desespero e total desconforto.O cão remexia, com as patinhas e com o focinho,os objetos da
prateleira mais baixa e dos caixotes,ao seu alcance,demonstrando extrema ansiedade.
Não me foi possível detê-lo,mas antes que pudesse entender o ocorrido,levantei os olhos e vi que haviam retirado o cartaz com a foto da cadelinha perdida.
Olhei navamente o cão que já estava na calçada,e para alí retornara ,tão bruscamente como havia saído.Surpeendi-o calmo e já sentado,prendendo entre os dentes um pedacinho da foto que conseguira resgatar ,entre caixotes ,em sua busca desesperada.
E o pedacinho de papel que passaria despercebido ao transeunte,como se lixo fosse,era para o cão,um pedacinho do sonho rasgado,uma triste lembrança e um ínfimo consolo.
Os donos do mercado e as pessoas presentes ao observar a cena insólita,não conseguiram ralhar com o cão ,nem espantá-lo,quando viram que ele prendia com os dentes amarelados,
um pequeno fragmento da foto da cadelinha do cartaz.
O vira -lata ainda atravessou a rua comigo para me deixar na frente do edifício,como de hábito.
Custei a acreditar que ,desde esse dia em diante,não vi mais meu amiguinho vira-lata;ele perdera a namorada virtual e eu o companheiro das manhãs.
Romperam-se os elos desse triângulo que o acaso havia aproximado e também desfeito.
Fico a meditar e não raro lembro do cão vira-lata que perdeu a chance de continuar venerando a foto da cadelinha,a quem amou.
E na mesma linha de raciocínio,fico a pensar,no homem,que vive em tempo real seus romances meteóricos,e que,talvez,deles não reste um única foto para recordar a pessoa amada.


                 katia.

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