Aquarela de poesias

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Poesias para você

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

MEDALHAS

MEDALHAS!

Nessa existência de perdas e ganhos, gravamos na mente, ao longo dos anos, saldos negativos que nos surpreendem, pelo fato de surgirem, sem que possamos prever ou imaginar.
     Um desses acontecimentos foi motivo dessas linhas, as quais tomarão forma, na sequência do relato.
Nos tempos idos de minha infância e adolescência, eu estudava no colégio Nossa Senhora Do Bom Conselho. Praticávamos esporte no turno da tarde, após cumprido o turno das aulas. Fundamos o time de vôlei para competir com outras escolas ,  por ocasião das férias escolares. A capitã do time preparava a levantadora para que fizesse o passe da bola , pressupondo as cortadas certeiras , no time adversário. Por ocasião das festas juninas,  outras escolas  mandavam seus times para jogar com a nossa , sendo esse, um momento de descontração. Recebíamos a aprovação da torcida a cada ponto garantido por um saque bem colocado, que estourava no campo adversário, sem que ninguém conseguisse rebatê-lo.
O time evoluia. Analizávamos as falhas seguindo a orientação do técnico. Reformular posições na quadra, dialogar, manter a calma, dispensar maior tempo para os treinos, eram algumas de nossas preocupacões. Os ensaios eram feitos diariamente e não faltava o espírito de equipe. O técnico, sempre atento, aplicava as regras e exigia que se cumprissem os horários pré-estabelecidos  para os treinos.
    Jogávamos vôlei com o time do colégio Sévignè, com os clubes União e Sogipa.  Além dos treinos diários de segunda a sexta- feira, combinávamos jogos aos sábados,  para que estivésemos em prontidão para competir.
 A madre superiora exigia que tirássemos boas notas nos estudos para que tivéssemos o direito de participar das competições.
     Durante as férias de julho de 1965, vencemos o torneio inter-séries e nos inscrevemos para competir com as outras escolas da capital.
O jogo final que decidiria o título de Campeã ficou entre minha escola , Bom Conselho, e Sogipa.
A escola toda estava convidada para assistir a decisão do campeonato e as torcidas portavam faixas,bandeiras e cartazes confeccionados especialmente para a ocasião. No local havia cobertura, arquibancadas, o quadro para marcar os pontos obtidos , um juíz escalado , a quadra de vôlei reformada, e uma rêde nova bem  estendida, 
O momento estava próximo e nós do Bom -Conselho aguardávamos ansiosas o dia do jogo, que seria num sábado à tarde, na Sogipa. Não víamos a hora passar,absortas pelos treinos, mas já visualizávamos as torcidas ocupando as arquibancadas.
Finalmente ,chegou o dia do jogo: um grande dia para nós.
Frequentávamos as aulas pela manhã e , assim, fomos para o clube na primeira hora da tarde. Antes de entrar na quadra, enquanto estávamos concentradas com o técnico, espiamos o local que já estava lotado. Procuramos nossas posições na quadra, fomos nos colocando nelas, esperando o apito que daria início ao jogo.
Lutamos os dois tempos , bravamente, contando um a um os pontos suados que se alternavam entre um e outro time, quase sempre empates.
Faltando só um ponto para obter a vitória, em determinado momento, nos concentramos no saque e fizemos o melhor. A bola percorreu um e outro lado e a equipe da Sogipa, de posse da mesma, tentou uma cortada decisiva, no canto esquerdo, ao fundo de nossa quadra, onde não havia cobertura.  Se conseguíssemos rebater essa cortada, sem que ninguém a defendesse, no time adversário, ganharíamos o jogo.
Nesse instante me atirei, como cobra rastejante, num só bote, conseguindo salvar a bola, quando me foi possível rebatê-la, com a mão fechada, para o outro time. Esta caiu próxima à rede, onde encontrou uma área desprotegida, rolando limpa no chão para nos dar a vitória.
Então, surpresa, ouví a torcida de minha escola gritar, em uníssono, o meu nome, repetidas vezes , e sentí a vibração daquele momento ímpar.  E em nenhum dia de minha vida, sentí, como nesse, igual manifestação pública de apreço..
Eram os brados da vitória, da alegria,  e a demonstração da crença em nossos
 esforços. E meu nome permaneceu vibrando no ar por alguns minutos, não menos  do que meu coração e do que minha face, onde os olhos, cheios de lágrimas, deixaram transparecer as emoções.
Logo a seguir me ví envolta em abraços e beijos e sentí que me carregaram até um pequeno palco, onde seria feita a entrega das medalhas personalizadas e um troféu para a escola.
Agora, já estávamos em fila, aguardando o início do Hino Nacional, que daria prosseguimento à cerimônia.
Entoamos o Hino com os braços perfilados e o corpo ereto, junto a um grande coro de vozes emocionadas. Terminado o Hino a diretora de nossa escola foi chamada para proceder a entrega das medalhas, as minhas colegas de equipe. Quando chegou a minha vez pareceu nervosa, confusa. Olhou para as próprias mãos, para o chão, falou baixinho com o técnico de nosso time e aproximou-se de mim para surpeender-me com um eufórico abraço .Esta fora uma maneira delicada de me consolar e meu único prêmio naquele dia. A medalha que deveria ser minha não deu o ar de sua graça, deixando-me, isso sim, às traças.
Por ironia do destino a medalha que me coube não estava alí por não ter sido confeccionada-um lapso lamentável.
E meus olhos úmidos denunciavam a desolação. Eu recebera a medalha de direito mas não de fato.
E esse, aliás, era um fato consumado, irreversível mas não conclusivo.
Se me debrussasse novamente sobre  o acontecido, talvez me reconfortasse pensar que acrescentando aquela jogada decisiva ao meu time, já fora premiada pelo destino, antecipadamente, pois o calor humano recebido e o fato de ter dado a vitória para munha escola, falavam mais alto.
Este mesmo calor humano,  que tanto me comoveu, permaneceria bem guardado do lado de dentro de meu ser, junto ao coração.
E a medalha , presa do lado de fora do peito, de minhas colegas de equipe, teria a mesma sorte? E se fosse vítima de alguma intempérie?ou caísse num ralo?ou sofresse um furto?ou perdesse o brilho?
Definitivamente, segundo os preceitos da filosofia, chego a conclusão de que vale mais a pena vir a ser do que vir a ter medalhas.

                                 katia chiappini

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