Aquarela de poesias

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Poesias para você

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

INTERNATO

                                                            INTERNATO

Aos 7 anos de idade tive uma experiência insólita.

Meus pais viajavam muito e eu precisei estudar num internato.

Quando completei a idade de ser iniciada na alfabetização, minha mãe seguiu as orientações das freiras e providenciou minha mala para levar para o internato, com todos os pertences necessários.

Viajei de carro com meus pais que não tiveram coragem de me falar o que estava por vir.

Chegamos ao colégio e uma freira me levou para visitar o meu quarto e as dependências da escola.

Ao voltar para ver meus pais, já haviam se retirado do local.

Procurei nos banheiros, no refeitório, nas salas da entrada, enquanto gritava por eles, chamando; 

- Mamãe, papai....

Lembro de ficar muito nervosa e comecei a chorar agarrada numa freira que havia me dado atenção.

Como não encontrei meus pais, me escondi sob uma grande mesa da sala de jantar e as freiras custaram a me localizar.

Parei de chorar e fiquei pensando em meus pais, sem entender essa atitude tão agressiva e chocante.

Ao anoitecer, as freiras me localizaram e pediram que fosse jantar para dormir. Eu me recusei a comer e nem queria falar com ninguém.

A freira que me encontrou disse que se eu não saísse de onde estava, eu seria castigada.

Perguntei qual seria o castigo e a freira falou;

- Vamos colocar você numa caixa de madeira fechada e mandar de volta para sua casa.

Assustei-me ao ouvir essas palavras e fui para o dormitório, escovar os dentes  para me deitar.

Na manhã seguinte, perguntei quando voltaria a ver meus pais.

A irmã diretora falou que eu precisava estudar  muito para  tirar boas notas e poder voltar à casa durante os meses de férias escolares.

Nos primeiros dias eu nem queria conversar com as outras meninas. Preferia ficar sozinha no recreio porque havia uma tristeza imensa em minha fisionomia. E minhas colegas respeitaram o meu momento.

Quando voltei para casa, meu pai e minha mãe me abraçaram e beijaram. Notei uma lágrima nos olhos de papai.

Nunca perguntei nada para meus pais, porque não queria estragar meu tempo de férias com discussões.

Não os julguei porque naqueles tempos idos, por volta de 1950, as famílias preparavam suas filhas para serem boas esposas. E só nos internatos havia trabalhos manuais, estudo de idiomas, noções de pintura e de bordados em ponto cruz, em ponto cheio. 

Com o passar dos anos, me adaptei ao internato. E fiz amizades, tanto com as colegas, como com as freiras franciscanas.

Eu tinha meu par de patins e minha bicicleta na escola. 

Havia horários a cumprir para as diversas atividades do dia a dia.

Descobri o piano e iniciei meus estudos.

Ao terminar as tarefas escolares, eu corria para a sala de música. Minha professora percebeu minha memória musical e disse que se estudasse com afinco, iria evoluir nas pautas, nas partituras, no solfejo, na percepção musical e na teoria.

Venci meus fantasmas, mas, quando estava só, meu pensamento voltava a lembrar daquele dia fatídico, ao chegar na escola, pela primeira vez.

Ainda fiquei no internato alguns anos, até meu pai ser transferido para Porto Alegre, onde fixamos residência e onde cresci e completei meus estudos.

Uma grande amiga de família me perguntou:

Por que nunca disseste para teus pais que não querias mais ficar no internato?

Respondi que entendia que minha mãe queria me dar uma formação diversificada e que eu a ouvia falando com meu pai e dizendo que, se dependesse dela, eu iria arranjar um bom marido porque era uma moça prendada. 

Mas, fui uma menina tímida, embora tenha me adaptado às exigências advindas de uma disciplina rígida.

Não aprendi a abraçar ou beijar as pessoas com naturalidade.

Acho que fiquei interna também nos sentimentos e continha minhas emoções, Não tive esse carinho de meus pais enquanto interna. Nem ouvia historinhas para embalar meu sono, como as que contei para meus três filhos.

Faltou o beijo de boa noite, o carinho no rosto, a mão acariciando os cabelos. Faltou aquela intimidade que faz contar os problemas, pedir um conselho, abrir o coração.

Mesmo com alguns barreiras afetivas, amei meus pais e agradeço pelos bons princípios que recebi e que consegui transmitir aos filhos e netos.

Se eu ficasse febril ou com tosse, ou algum desconforto, meus pais logo tratavam de chamar o médico de família que nos acompanhava e medicava, prontamente.

Mas, se o coração ficasse febril ou a alma tristonha, nem sempre meus pais ficavam sabendo desses males, porque eu tentava resolver com orações, com retiro espiritual, 

Aos poucos fui buscando interagir mais em grupo.

Quando me formei em magistério e comecei a dar aulas, precisava fazer reuniões com os pais  dos alunos, com a orientadora educacional e com a direção da escola. para tratar de ações disciplinares.

Na profissão consegui encontrar meu equilíbrio e firmar a personalidade. A timidez não era mais uma preocupação.

Tenho comigo um pensamento que me acompanha desde pequena. Penso que Deus vai saber me receber ao seu lado, com carinho, porque nunca ofendi meus pais e nem julguei sua atitude. quando me deixaram no internato.

Preferi ser uma filha atenciosa e obediente. Desse modo, meus pais nunca me bateram. Pois, bastava meu pai explicar porque eu não deveria repetir alguma travessura e eu firmava o compromisso de cumprir com minha palavra , respeitando as regras de boa conduta.

Permito-me aconselhar que todos os pais se aproximem mais de seus filhos para merecer sua confiança.

Só essa intimidade fará com que os filhos revelem suas dúvidas e seus temores e sequem suas lágrimas furtivas.
Os questionamentos são aceitos quando há uma orientação segura. 

E essa proximidade pode evitar uma série de problemas comportamentais,

Os filhos precisam obedecer aos pais levados pelo amor e nunca pelo temor que afasta o bom entendimento.

Amem seus pais e busquem entender suas razões. E façam suas reivindicações com respeito, quando quiserem obter permissão para ir a uma festa, a um acampamento da turma da escola.

Sejam amigos de seus pais e de seus avós. E esses últimos merecem consideração e reconhecimento.

Não abandonem seus velhinhos num aposento da casa. Deixem que participem das atividades da família.

Devo minha autonomia e segurança nas ações que acolho como desafios a vencer, aos ensinamentos do internato.

Minha personalidade assimilou conceitos fundamentais para um bom relacionamento.

Então, de todas as circunstâncias de vida, podemos tirar proveito.

Uma freira se dava ao trabalho de fazer minhas tranças, todas as manhãs. Quando ela precisava de ajuda eu me prontificava, imediatamente , para lhe ser útil, realizando uma ou outra tarefa que me solicitasse.

Essa solidariedade vale para harmonizar nossa vida em sociedade.

Desse modo, enquanto estive interna, descobri que gostava de ensinar minhas colegas nas tarefas escolares.

Talvez, por esse motivo, e percebendo que me fazia entender, tenha pensado em ser professora.

Não somos totalmente perfeitos e nem totalmente imperfeitos.

Entre os bons e maus momentos, há o interlúdio que nos permite viver intensamente nossas escolhas.

Muito obrigada, irmãs do Colégio Maria Imaculada de Mogi-Mirim, pelo carinho que encontrei nessa escola, no período que se estendeu  de 1950 a 1960,


                                     KATIA CHIAPPINI


 



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