Aquarela de poesias

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Poesias para você

sábado, 21 de abril de 2012

A GATINHA DE MARY

                A GATA ASSUSTADA

Minha mãe, já acometida da doença de Alzheimer,  precisou de minha presença constante por 7 anos.
Mamãe fazia questão de comemorar seu aniversário em família.
Em determinado tempo, não sendo mais possível comemorar seu aniversário no restaurante que reunia filhos e netos, convidei uma das filhas e as crianças para brindar com ela, em sua casa.
Minha neta levou Mia, sua gatinha de estimação,  pensando alegrar mamãe.
Quando lá chegamos, a gata foi colocada no colo de mamãe que a segurou surpresa e os olhinhos dela criaram vida .Ficou acariciando o pelo de Mia e sorrindo. A gata tentava se esquivar e mamãe,sem se dar conta, apertava seu corpinho miúdo e o pescoço. Quando isso acontecia, minha neta soltava a gatinha que corria, aliviada, pela casa toda. Mamãe, já ausente de si mesma, apenas se movimentava na cadeira, pegava um lencinho que ficava ao seu alcance e o apertava, por diversas vezes, como se quisesse modelar alguma coisa. Ela dobrava e desdobrava o paninho, num gesto repetitivo. Depois fixava seus olhos num ponto distante, por horas a fio. A televisão ligada servia apenas para constar, para criar um ambiente menos triste.
Nessa ocasião os problemas neurológicos de mamãe estavam adiantados e ela apenas repetia as poucas sílabas que ainda sabia pronunciar: sim, não, é. Isso ocorria quando perguntávamos algo a ela.
Enquanto mamãe olhava ao redor buscando ver o paradeiro da gatinha, tivemos  a idéia de brindar com ela mais um aniversário. Minha filha foi procurar as taças de champanhe e a bebida que havíamos colocado no congelador, logo ao chegar.
Minha neta colocou Mia novamente no colo de mamãe.
Ao pipocar da rolha ,mamãe, vendo nossas taças preparadas para o brinde ,ergueu sua taça com uma das mãos e com a outra ergueu Mia.
Então o inesperado aconteceu.
Mamãe colocou o focinho da gata no cálice de champanhe e ria muito ao perceber que essa esperneava, assustada.
Minha filha, os meus netos e eu começamos a rir e mamãe ria mais alto, ainda encantada com a cena. A gargalhada era geral e incontida e tomou conta de toda a casa. Só Mia não achou graça nenhuma, ao contrário, perdeu toda a graça que, porventura, ainda pudesse ter.
Mas minha mãe estava feliz em sua inconsciência e nem percebeu quando Mia desceu de seu colo ao se desvencilhar dela..
Aquele brinde foi muito além do estampido da rolha. Representou mais um encontro de família e foi um bálsamo para mamãe e uma linda cena para seus olhinhos verdes e lindos
A rolha que saltou do gargalo da garrafa não foi mais significativa do que a alegria de mamãe que saltou aos nossos olhos.
Bebemos o champanhe mas saciamos a sede de ternura. O amor entre mãe, filha e netos transbordou tanto quanto o líquido que escorreu no colo de mamãe, já que não conseguiu dominar as próprias mãos, já trêmulas, devido a doença.
Uma gata magrinha ,frágil, sem viço, sem nada de especial, foi motivo de ternura e encantamento naquela tarde.
E assim, comemoramos mais um aniversário de mamãe,cuja alegria maior era olhar as criancinhas e os cães com seus donos passeando na calçada. É que na parte da tarde ela ficava ,em sua cadeira, na frente da casa ,junto ao jardim. E só depois de aparecer a lua no céu e as estrelas a lhe dar boa noite, só depois disso eu conseguia levar mamãe para dentro.
Mas Mia superou o sol, lua e estrelas e foi quem brilhou na tarde do aniversário de mamãe, já com tão poucas chances de se alegrar.
Parece que precisamos de tão pouco para armazenar um pouco de felicidade!
Brindamos em família e agradecemos a Deus pela graça de ainda poder estar com mamãe.
Porque a família´é a eterna âncora a zelar por seus filhos e o maior exemplo para o aprimoramento de um amor maior, pelos  semelhantes, tão diferentes em suas necessidades existenciais.
E Mia? continua miando, já refeita do susto desde que recuperou sua paz

KATIA
Email: k.treen2@hotmail.com

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