Aquarela de poesias

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Poesias para você

terça-feira, 4 de novembro de 2014

A FUNCIONALIDADE

                        FUNCIONALIDADE

Minha mãe era perfeccionista e não admitia constatar que os objetos estivessem fora de lugar. Isso trazia alguns transtornos para meu irmão e para mim. Para cumprir com as tarefas escolares nem sempre tínhamos tempo para guardar as roupas usadas no dia e organizar o quarto. E isso fazíamos à noite, antes de dormir.
Meu querido pai se enquadrava  no sistema de mamãe e levava um banco tosco para a frente da casa onde podia fumar sem merecer reprimendas. Como vivenciei alguma contrariedades, optei por deixar os utensílios mais à mão, em meu apartamento próprio, após ter me casado. Por exemplo, a caixa de costuras, tesoura,.chave de fenda,.extensão de fios para tomada, fita adesiva e isolante, deixo-os no roupeiro porque constantemente faço uso. Se ficassem nas prateleiras da área de serviço, seria mais difícil visualizar, no todo.
Os livros que costumo ler estão à mesa de cabeceira, separados da estante feita para esse fim. As borrachas elásticas para prender o cabelo se encontram ao redor do vidro de algodão, no armário do banheiro e não soltas pelos cantos. Em cada peça da casa conservo estrategicamente colocados os objetos que necessito em meu trânsito diário.
Nunca vou ter um apartamento tão organizado como era a casa de meus pais. É que prefiro o conforto e a praticidade do que o excesso de organização, onde nada fica sobre nada e tudo tem seu lugar dentro dos armários. 
Quando mamãe teimava em organizar nossos roupeiros ficava mais difícil achar a roupa que procurávamos para sair.
O lar precisa ser convidativo, acolhedor e funcional. Assim, na cadeira preguiçosa de meu quarto, deixo pendurada minha bolsa do diário e coloco dobradas as roupas que vou usar durante aquele dia.
No móvel da televisão deixo um lugar para colocar os livros de piano que vou utilizar para dar as aulas. E as aulas são dadas na sala, onde se encontra o piano e o móvel da televisão.
Mas tenho que admitir,em contrapartida, que durante as festividades natalinas, ninguém, no bairro, tinha uma casa tão linda como a de mamãe. A decoração chamava a atenção. E se via pelo janelão de correr da sala de visitas, todos os detalhes da mesa central. E tudo era minuciosamente orquestrado para cumprir seu papel na decoração.
Pensando nos prós e contras, ainda fico com meu modo de organizar os objetos da casa. Gosto de ver o vaso com flores, alguns bibelôs sobre um móvel da sala, as fotos da família sobre o piano, o relógio antigo de pêndulo e marcando as horas .Gosto de ter uma TV pequena na cozinha, em cima da geladeira, o puxa saco bem à vista e, em cima da mesa da cozinha, o café na térmica, adoçante, café solúvel, a cesta de pão e o aparador de frutas.
Se eu for visitar uma amiga não vou ficar reparando e criticando sua coleção de corujas que preenche uma boa parte da prateleira. Mesmo porque ela gosta de colecionar alguns objetos em miniatura. Por outro lado, outra de minhas amigas, gosta de expor cristais e porcelanas que traz de suas incursões pela Europa.  E se esse for o seu gosto, nada mais justo que exerça seu direito.
O importante é conservar o ambiente limpo e arejado. E considerar que funcionalidade não é desordem. É preciso dar liberdade aos filhos para organizarem seus quartos de acordo com as necessidades da juventude, com aqueles ídolos colados diretamente na parede, ao invés de estarem afixados num isopor, por exemplo. Vai chegar o dia em que eles mesmos vão preferir pintar as paredes e colocar as imagens de sua preferência de forma mais artística e aceitável.
Mas não estou admitindo encontrar tênis ou chinelos jogados pela sala, sob hipótese alguma. 
A funcionalidade é um modo flexível de ser para admitir organizar as coisas sem aquela rigidez que prejudica até o relacionamento familiar. Mas é um jeito prático de arrumar os objetos.
Pode se dizer da funcionalidade que é um jeito de exercer a disciplina, indisciplinadamente.
Mas não posso concluir sem relatar um acontecimento insólito que acabo de lembrar:
Um amigo de meu pai trouxe do exterior uma coleção de bibelôs, representativos de cada país por onde esteve. E presenteou algumas peças. Lembrou-se de Dona Tita que se dizia apreciadora de objetos de arte e surpreende-a ao lhe passar às mãos alguns deles.
Mas nunca poderia imaginar a cena que seus olhos presenciaram. Aconteceu que ao visitá-la, percebeu, logo na entrada, na sala de visitas, em sua cristaleira, que intercalados aos seus estavam outros bibelôs comprados em camelódromo.
Não se conteve e pálido disse:
-Dona Tita! nunca me peça, por favor, que eu complete sua coleção de objetos importados,sim?
E a pobre senhora sem entender nada respondeu:
-Mas você trouxe porque quis e eu não imaginei que se arrependeria!
Rendendo-me às evidências, me atrevo a afirmar que o amigo de meu pai tinha razão e que nada justifica o ocorrido, muito menos a funcionalidade. É claro que a cristaleira deveria portar enfeites selecionados e que os bibelôs do camelódromo poderia estar em outra estante, nas prateleiras de seu quarto, por exemplo.
Imaginem um elefante de mármore, importado, ao lado de uma estatueta de gesso lascada e descascada?
Então, a funcionalidade respeita, sim, o senso crítico e o senso artístico. E requer uma cultura básica inerente ao cidadão que se preze

                                         KATIA CHIAPPINI

         

                                                        -e-mail: katia_fachinello@ hotmail.com

4 comentários:

  1. Funcionalidade não é desordem juramentada como tal.

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  2. Ótimo Kátia ! " Uma casa deve ser limpa o suficiente para ser saudável e suja o suficiente para ser feliz." ( Dr. Lucchese.)
    Pessoas que entram na casa dos outros pra reparar, seja o que for, com certeza não são amigas !

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  3. Sim,obrigada.e, afinal, a casa deve ser aquele lugar que ninguém tira de você, aquele lugar de chorar as mágoas ou de dar uma gargalhada bem gostosa.( UMA GARGALHADA SÓ SUA )

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  4. Adoro o meu cantinho, só eu sei das minhas bagunças, acho o que quero no escuro se preciso for. Bjs.

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